O silêncio de um coração que não bate.
Há dias uma leitora pediu-me que escrevesse sobre o seguinte tema: “Sexo depois de um aborto”.
Ainda estive uns dias a pensar se conseguia escrever sobre este assunto que considero ser um assunto menos consensual do que “Sexo depois da maternidade”. É um assunto pessoal, intimo, delicado e com alguma complexidade sentimental.
Não há bebé, não há amamentação, não há pontos, não há todo um novo mundo que preenche a mulher que se torna mãe. Há silêncio, lágrimas, tristeza, raiva, frustração, revolta, um vazio, um sentimento de perda, senti-me diminuída, culpada, senti que falhei enquanto mulher, olhava para as mães, para as grávidas e questionava porquê eu? Porquê comigo? Porquê?
Para quem não me conhece, infelizmente, tenho legitimidade para escrever sobre o tema.
Antes da minha primeira filha sofri dois abortos retidos. Foram os maiores socos no estômago que levei na vida. Lembro-me bem o que senti, o silêncio de um coração que não bate, a expectativa frustrada, o vazio no peito, na cabeça, no ventre, entre nós os dois que olhávamos um para o outro sem saber o que dizer, os olhos dele que olhavam para mim com pena, a firmeza dele em proteger-me e engolir o seu próprio sofrimento, o abraço dele que naqueles momentos me abrigavam em pleno, e ainda assim sentia-me sozinha e achava que nem ele nem ninguém compreendia o que eu estava a sentir.
Da primeira vez tive medo, muito medo. O meu corpo não expelia aquele feto que teimava em continuar dentro de mim como que: não quero sair deste que é o meu lugar! O que me obrigou a ter que entrar num bloco de partos, eu de um lado com os olhos cheios de lágrimas de medo e tristeza, do outro lado uma mãe com os olhos cheios de lágrimas de alegria com um filho nos braços.
Na segunda vez, as mesmas personagens, o mesmo guião, o filme repetia-se, desta vez sabia bem ao que ia, já não tinha medo só tristeza e uma certeza momentânea: Não queria voltar a engravidar, não queria mais aquilo que me fazia mal e me estava a destruir por dentro.
O facto de ter sido submetida a duas curetagens obrigava-nos a uma abstinência sexual de três meses.
Três meses que eu contava religiosamente para começarmos outra vez a tentar.
Não havia medos nem receios, retomar a minha vida sexual era natural e quase necessário, eu queria mesmo engravidar e sabia que remávamos os dois na mesma direcção, nunca tive dificuldade na entrega, nunca senti que o meu corpo tivesse sido dilacerado, assumi que a natureza sabia o que fazia e deixei as coisas fluírem com naturalidade e assim foi assim das duas vezes.
Mesmo com poucas semanas de gravidez perder um bebe é devastador. Tudo necessita de sarar: o corpo, o espírito, a cabeça, até o casal em si precisa de recuperar-se emocionalmente e arrumar ideias. Usei sempre o tempo a meu favor para conseguir um novo começo, nunca desisti do que queria, os abortos em nada abalaram a minha vida sexual, após cada perda estive sempre pronta e preparada para engravidar outra vez.
Mas nem sempre é assim. Há mulheres com medos e receios que sentem realmente que o seu corpo foi dilacerado, torturado, flagelado, rasgado, maltratado. Há mulheres que não se entregam, que não se julgam à altura, e se culpam pelo que aconteceu. Sentimento de impotência que leva ao isolamento e ao silêncio. A exaustão psicológica e as perdas de sangue apoderam-se de nós, o que poderá ser causador de não se estar preparada para retomar a vida sexual. Há quem não esteja pronta a engravidar de novo vivendo com um eterno medo e receio de que tudo possa voltar a acontecer. Há quem não consiga ver solução numa nova gravidez.
Para mim o truque foi nunca desistir. Foi seguir sempre em frente e lutar por aquilo que queria – um filho – e sexo era a palavra de ordem para o conseguir ter.
Ter-vos aqui comigo a dividir momentos da minha vida e da vida dos meus filhos, a lerem esta construção cheia de amor e erros deste que é o desafio de ser mãe de alguém, é muito bom.
1 comentário
Estava gravida de 20 semanas e fui fazer a ecografia morfológica, marido e filho de 3anos acompanharam. Entro no consultório, perguntas normais e deito-me na marquesa. Já nos tinham dito que parecia ser um menino, mas íamos na expectativa de ser uma menina, queríamos ficar com um casalinho. O médico começa e pede ao pai para sair com a criança, o pai não quiz sair, quase lhe gritei que estava com o menino para sair. Rapidamente me levantei e perdi o meu chão… O coração do bebe já não batia…o dr. pediu, deite-se aqui que eu preciso de ver…deitei-me com olhos tapados e cheios de lágrimas, eu só queria acordar do pesadelo….foi o pior dia da minha vida…
No dia seguinte dei entrada no hospital e fiz um parto normal, ele esteve na minha mão no saco porque não quis que caísse nem no chão nem na sanita….tive dores insuportáveis, físicas e no coração, as do coração continuam e hão-de continuar. Regresso a casa…sem bebe e de rastos, com a barriga normal de quem estava gravida. No dia seguinte vem o leite…e onde estava o bebe! Estará para sempre no meu coração e pensamento….