Onde está a mãe?
Apesar de viverem uma vida despreocupada (pelo menos é a minha esperança relativamente à grande maioria), as crianças também têm as suas inquietações.
Não me refiro ao “por que é que à noite não há sol?” ou ao “como é que os aviões voam se não batem as asas”, falo de inquietações que lhes tocam perto do coração.
No caso da minha filha de três anos e meio tenho vindo a reparar que se vê um vídeo com baleias se apressa de imediato a designar a mãe, o pai e os filhos. O mesmo nas ilustrações de um qualquer livro em que as personagens não são as principais. Está a começar a formar o verdadeiro sentido da palavra “família” e da sua importância e aí é que começa o “drama”.
Quando a levámos ao cinema para ver o filme “Coco” eu estava à espera de perguntas, das mais difíceis. Afinal, o personagem principal é uma criança de uns oito anos que entra sem querer no mundo dos mortos e circula por entre caveiras e ossos. Quando a vi inclinar-se para mim pensei “é agora”. Mas a pergunta dela surpreendeu-me, como aliás acontece muitas vezes. O que ela queria saber era “onde é que está a mãe”. Com as caveiras podia ela bem, o que estava a deixá-la desconfortável era por que é que aquele miúdo estava “sozinho”.
Compreendo-a perfeitamente. A mãe (o pai, claro) significam uma segurança, um porto de abrigo, uma garantia de que aconteça o que acontecer pelo menos está ali alguém para lhes dar a mão.
E nos filmes da Disney a situação é dramática, vejamos:
Bela e o Monstro: A Mãe morreu, nem se fala nela.
Branca de Neve: A Mãe morreu e por isso existe lugar para a maléfica madrasta.
Bambi: A Mãe morre durante a história.
À procura de Nemo: A Mãe morreu.
Cinderela: A Mãe morreu (e fiz a “asneira” de ver a versão não animada com a minha filha, onde se vê a mãe a definhar, doente, antes de morrer”).
Frozen: Mãe e pai morrem no início do filme deixando as irmãs sozinhas no mundo.
Pequena Sereia: A Mãe morreu.
Podia continuar por algum tempo, mas acho que já todos tínhamos percebido esta dinâmica. Uma dinâmica que me transtorna um pouco, apesar de ter crescido com estas histórias, porque elas moldam um pouco a forma como vemos o mundo.
Na maior parte dos casos acontece que o pai, viúvo, está tão desolado por ter perdido a mulher que procura de imediato uma figura materna que tome conta da filha (como se ele não fosse capaz disso mesmo e isso não se esperasse dele), normalmente errando de forma dramática, deixando entrar dentro de casa uma mulher terrível. Depois a filha só poderá ser salva por um outro homem, o seu príncipe encantado, que será a sua salvação daquele mundo onde o pai a deixou.
São filmes de outra época, mas são filmes intemporais e por isso é importante que elas (as nossas filhas, sobrinhas, afilhadas, enteadas) saibam coisas importantes, como por exemplo:
-A felicidade depende delas, e não de um homem que pode ou não aparecer mais tarde ou mais cedo no seu caminho;
– As madrastas não são más, acredito eu até que as de má estirpe são hoje a excepção
– As raparigas são capazes de lutar por si mesmas e devem fazê-lo e não esperar que alguém venha resolver todos os seus problemas.
Sei que os filmes mais recentes acentuam uma mudança no paradigma (Frozen é brilhante e realista, põe a força no amor entre as irmãs, o obstáculo é aliás criado por um amor à primeira vista que no mundo real nunca teria dado certo e como se vem a confirmar o príncipe aqui não interessa a ninguém, é interesseiro e mau carácter, não tem coração. E são as personagens femininas, com a ajuda de dois amigos verdadeiros, que vão à luta, enfrentando os seus problemas) e é importante que as nossas crianças recebam a mensagem, não apenas as raparigas mas os rapazes também.
O mundo que os espera tem desafios sem fim e gosto de acreditar que estou a preparar a minha filha para os enfrentar por si, sabendo pedir ajuda quando precisa e não por causa do seu género nem por se sentir incapaz por esse mesmo motivo.
Quanto à ausência das mães, sei melhor que ninguém (afinal é com isso que trabalho) que sem conflito não há história e que os filmes de eternas princesas darão lugar a outros (Brave, Divertidamente, UP- Altamente, etc) em que o foco não está na perda de um dos familiares.
Até esses serem a maioria cabe-me tentar tranquilizar a minha filha garantindo que não pretendo ir a lugar algum.
E que muitas das aventuras desta vida acontecem longe dos pais (por mais que isso nos possa custar).
imagem@weheartit
Autora orgulhosa dos livros Não Tenhas Medo e Conta Comigo, uma parceria Up To Kids com a editora Máquina de Voar, ilustrados por aRita, e de tantas outras palavras escritas carregadas de amor!
3 comentários
Ela só perguntou isso no coco porque tem 3 anos. As minhas filhas de 6 e 7 (o público alvo do filme, que é para mais de 6) nem pensaram nisso, até porque brincam sozinhas, entre elas, fazem desportos em que estão por conta delas e vão sozinhas fazer recados.
Quanto às desgraças da Disney, é o estilo das histórias clássicas. Felizmente hoje em dia as pessoas geralmente não morrem cedo como antigamente. E as mensagens do príncipe salvador… São de um passado não tão distante assim, e ainda presente em muitos outros locais. A Cinderela é só coisas boas (madrasta, irmãs más, o rei organiza o baile porque só quer netos, o príncipe apaixona-se perdidamente em horas e depois só sabe quem ela é com o sapato)… Mas era o meu filme favorito em criança, e sei que não há príncipes encantados por aí. As crianças vivem num mundo de fantasia. Não é o filme favorito das minhas filhas (é a Frozen, que vai precisamente contra essa ideia). A Vaiana também tem a mensagem que pretende, nem sequer há príncipe nenhum, e resolve o problema num estilo feminino (conversa) e não com luta como os rapazes (como no Brave).
Não acho que isto se passe apenas com crianças do sexo feminino. Tenho um filho e exatamente com a mesma idade da sua menina me perguntava o mesmo a ver esses filmes.
Percebo perfeitamente o comentário, mas também acho que os filmes de hoje mostram um Mundo que não existe – perfeito, onde o bem vence sempre o mal, o de temos sempre o que queremos. Parece-me que depois educamos crianças pouco preparadas para lidar com a frustração, com a perda, pouco capazes de ser relisientes e sem medo de arriscar por ter medo de falhar.
Creio que é preciso um equilíbrio, como em tudo na vida.