Ler primeiro “Mensagem que deixei ao meu filho adolescente na noite de Natal”
Olá mãe,
Pensavas que não tinha lido a mensagem que me escreveste no Natal? Apanhei-te! Li e reli, mas não me apeteceu logo falar contigo sobre ela. Eu sei que tens razão, mãe. Reparo como às vezes ficas a olhar para mim de longe, como se a tentar perceber. Quando fazes isso volto sempre atrás no tempo: tu sentada no banco do parque a olhar-me com muita atenção, para o caso de eu precisar de ajuda. Lembro-me de adorar que tu ficasses ali a observar-me, de fazer coisas só para exibir-me aos teus olhos. Mas agora sinto-me diferente e até um bocado parvo por ter feito essas gracinhas só para te conquistar.
Às vezes também não sei o que te dizer, por isso espero que esta resposta à mensagem que me deixaste no travesseiro nos ajude a melhorar para que possamos rir-nos dela daqui a uns anos. Tenho a certeza que tudo vai passar, porque tu fizeste tudo bem, mãe. Havemos de continuar a ser grandes amigos.
Há uns tempos – não te contei, sobreviverás – distraí-me com uma coisa que ia a ouvir a caminho das aulas e cortei caminho fora do passeio para atravessar a rua. Não vi,nem ouvi um carro que saiu de uma curva a grande velocidade. Quando dei conta já estava muito perto, saltei para voltar ao passeio, mas ainda me tocou na mochila. Caí. Apanhei um valente susto, muito maior do que aquele que estás a apanhar agora, acredita. Esses poucos segundos pareceram horas e durante o resto do caminho até a escola só pensava em ti, não sei porquê. Lembro-me das minhas mãos tocarem no chão, das pessoas correrem todas para me ajudar, e desta frase na minha cabeça: – Quero a minha mãe. Depois, não conseguia parar de imaginar-te a receber um telefonema, de ver a expressão na tua cara a mudar quando te dissessem que eu me tinha magoado a sério. Ainda bem que não foi preciso, porque ver o terror do teu rosto no meu pensamento, foi pior do que ter passado por aquilo tudo.
Quantas vezes me avisaste para não ouvir música com headphones na rua? Mil. Eu sei mãe, desculpa. Isso não interessa agora. O que me aconteceu serviu para perceber que tu és mesmo muito importante para mim. Esse foi um dos poucos dias em que tivemos contacto físico, porque quando cheguei a casa, pus os braços à volta da tua cintura e levantei-te no ar. Deves lembrar-te de ter respondido: – Olha, este meia leca já pode comigo! Prometo que vais dizê-lo mais vezes em 2016.
Não sei se consigo explicar-te o meu isolamento, mãe, nem a minha necessidade de ver um filme sossegado (podias fazer menos comentários bolas, já sei ler as legendas). Quando dou conta, já entrei no quarto, já fechei a porta e liguei o computador. Deve ser porque as aulas são muitas e barulhentas, porque há dias bem compridos. Muitas vezes, tudo o que me apetece quando chego a casa é distrair-me com alguma coisa. Não quero que fiques ainda mais preocupada, mas a maior parte dos dias não gosto nada da escola. Sei que tenho que estudar, já me chateia ouvir-te dizer isso, mas duvido que aquilo que ando a aprender desde setembro me vá servir de alguma coisa no futuro. Se ao menos me deixassem desenhar mais, tu sabes como eu adoro desenhar (e como detesto inglês). Eu podia ilustrar a matéria toda se me deixassem, toda! Dava muito mais trabalho, mas era muito mais interessante que fazer resumos. Depois não se deve falar nas aulas, mas ouvir o dia inteiro já se pode? Ando farto! Ninguém aguenta chegar a casa e ouvir cheio de vontade o que os pais têm para dizer, percebes?
Não sei se leres tudo isto é boa ideia, mas como tu costumas dizer, a verdade pode sempre ajudar.
Quero que saibas que se um dia eu precisar mesmo de ajuda, tu vais ser a primeira pessoa que eu vou procurar. E que também vou pensar em ti antes de me sentir tentado a fazer uma grande asneira, daquelas que todas as mães temem que os filhos façam (parece mesmo que te estou a ver a suspirar de alívio, também te conheço).
E por favor, guarda bem este papel juntamente com o que me escreveste no Natal. Quando eu já não for um meia leca e tiver preocupações destas com um neto teu, talvez me faça bem voltar a lê-los. Se isso me impedir de desabafar com outros pais sobre os dilemas do meu filho adolescente, esta nossa conquista terá valido bem a pena.
Claro que já te perdoei. És a maior.
Feliz Ano Novo, mãe.
imagem@digistar
8 comentários
Adorei ler estas cartas! tão sinceras…
<3
Tenho uma menina adolescente cheia de dúvidas, a qual por vezes também não aceita as minhas ajudas, já disse inclusive que estava farta de mim, não consigo deixar de ser “mãe” , assim mesmo, com as letras todas, e ser chata e preocupar-me e querer fazer parte da vida dela, esta aflição que me assola o peito pelos vistos não é só minha, vejo-me e revejo-me nestas palavras, que infelizmente teimo em ter que aceitar. Obrigada
Obrigada e um beijinho
Querida prima adorei. Até deixei cair uma lágrima. De certeza que me vai ajudar num futuro próximo. Beijinhos ao dois.
As raparigas adolescentes são ainda mais difíceis com as mães. Mas vai tudo dar certo! Com amor e paciência!
Simplesmente, fantástico!
Muito emocionante. O que muitas mães e filhos sentem e nao conseguem dizer.