Nunca mais acordas com o despertador
O teu novo despertador, que não precisa de ser programado, acorda-te invariavelmente antes da hora. Mas não te importas porque o seu sorriso, o facto de esticar os bracinhos a pedir que lhe pegues, é um milhão de vezes melhor que qualquer melodia que tenhas escolhido para esse efeito.
Passas a ir à praia tão cedo que até as gaivotas estranham
E sais de lá à hora a que normalmente chegavas. Mas é um novo hábito saudável, porque estás ao sol na hora em que é menos prejudicial e voltas a brincar nas poças de água, constróis castelos na areia molhada e até gostas de ficar estilo croquete porque o teu rebento te enche de areia.
Tudo se transforma em música
E com a melodia do Come a Papa inventas versos conforme a necessidade. “Dá o bracinho, Mariana, dá o bracinho. Para vestir e ir embora para o jardim, embora para o jardim…”.
Podes voltar a fazer macacadas na rua sem as pessoas te olharem de lado
Com o bónus de receberes uns olhares cúmplices e sorrisos ternurentos. Voltas a ser criança, sem ligar ao que os outros pensam porque exteriorizas um estado de alma que te acompanha todos os dias: estás completo.
Quando o teu filho te deixa dormir até às oito da manhã sentes que dormiste vinte horas
Mesmo que só tenhas dormido quatro e acordado duas vezes durante a noite. O corpo habitua-se às condições de privação de sono de uma forma incrível e acordas fresca que nem uma alface (nos dias bons, pronto…).
O chão da tua casa tem sempre migalhas de pão, ou bolacha, por mais que a limpes
E fica pegajoso cinco minutos depois de passares a esfregona. E o sofá tem umas manchas que não vinham no produto original. Mas não vives num museu e a razão de teres a casa de cabeça para baixo anda a gatinhar com um sorriso desdentado na cara e sacodes as migalhas e deixas a tarefa de limpar para depois.
Relembras as músicas que estão guardadas num cantinho do teu cérebro há décadas e voltas a cantá-las.
Percebes que houve umas quantas actualizações mas, regra geral, consegues cumprir bem a tarefa. Já não se atira o pau ao gato (porque isso não se faz) mas os pobres filhos da Linda Falua ainda ficam, porque a mãe não os pode sustentar.
A tua roupa nunca mais volta a estar cem por cento impecável (nem vamos falar do cabelo…)
Entre vestires e chegares ao carro, mesmo que só tenham passado cinco minutos, é como se tivesses atravessado um tornado.
Os brincos compridos passam a ser considerados um objecto de tortura chinesa – e arrependes-te de todas as vezes por tentares mais uma vez usá-los porque pode ser que desta vez ela não repare e não os puxe com força.
E as pulseiras. E os colares. Aprendes a usar acessórios de uma forma alternativa e viras ninja para te desviares dos ataques daquelas mãos rechonchudas.
Voltas a brincar e a divertir-te imenso com isso.
A criança que há dentro de ti volta a espreitar e encontras a felicidade numa colher de pau a fazer sons num tuppeware, no simples percurso de uma bola saltitona a bater nas paredes da casa e a voltar para junto de ti.
Passas a relativizar as coisas que antes te tiravam o sono sem razão. E dás valor aos pequenos momentos.
O mar, a areia, os animais, até a forma como as pessoas falam, tudo é uma redescoberta. Passas a ver o mundo pelos olhos das tuas crianças. A questionar coisas que tinhas como adquiridas e de que já não te lembravas de perguntar por que são assim. Olhas para cima, coisa que acabaste por deixar de fazer com a pressa do dia-a-dia. Vês novamente a forma das nuvens, os frisos do último andar dos prédios, a forma como o vento faz dançar as folhas das árvores. Apontas para os bichos-de-conta e dás saltinhos para não os pisares. Observas a forma mágica como os aviões rompem o céu. Dás por ti a reparar no reflexo de uma taça com água no tecto da sala, provocado pelo sol. És feliz por todas estas pequenas coisas. Por o teu filho te adormecer no colo. Por te apertar a mão com força, por se aninhar no teu pescoço. Por sorrir quando te vê, por se mostrar contrariado quando as coisas não correm como esperava. Por não desistir quando quer uma coisa. Por estar a crescer bem, saudável. Por poderes ver isso tudo de perto.
Que privilégio.
Tudo muda, mas não trocavas nada disto pela mais descansada noite de sono.
Afinal, a vida acontece quando estamos acordados.
Por Marta Coelho,
para Up To Lisbon Kids®
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