Os 3 Grandes Erros da Escola

Sou mãe de uma menina de quase 3 anos, que ainda só frequenta a creche. No entanto, hoje a minha preocupação com o sistema escolar ultrapassa já a dimensão profissional, sendo também uma preocupação de mãe.  Porquê tão “cedo”? Primeiro, porque sei que uma estrutura como o sistema escolar, leva tempo a mudar. Segundo, porque a escola dos dias de hoje espelha a forma como as sociedades olham para as suas crianças, para o seu presente e para o seu futuro.  Espelham acima de tudo, a forma como nós, adultos, “vivemos” a infância dos nossos filhos. Preocupam-me essencialmente três erros fundamentais, numa perspectiva que, embora com alguns sinais de transformação, ainda está muito enraizada.

 1. Conceber as crianças como todas iguais ou ter de formatá-las

Um dos aspectos que tem vindo a ser cada vez mais criticado no sistema escolar actual, passa pela dificuldade em acompanhar e acolher a individualidade dos alunos. Com o ritmo, metas e as estratégias pedagógicas adoptadas, a diferença nas crianças rapidamente se transforma numa limitação. A escola organiza-se de forma padronizada, com uma estrutura rígida e pouca margem para adaptações e ajustes em sala de aula. Favorece essencialmente a repetição e a imitação, ambos sinónimos de pouco envolvimento.  Estamos assim a ensinar às nossas crianças que o bom, é ser e fazer igual. Viver normalizado. Ser um aluno de sucesso, fecha-se em limites rígidos de como agir.

Com pouca margem para compreender a realidade emocional e afectiva das crianças, não existem condições para gerir os seus ritmos pessoais e investir na sua motivação. A criatividade e os gostos e/ou talentos pessoais dos alunos passam para segundo plano. Quem não se adapta, fica naturalmente integrado no grupo dos alunos sem ou com pouco sucesso escolar que, aqui entre nós, felizmente tem vindo a crescer. Talvez seja sinal de que já não é assim tão fácil formatar as crianças de hoje. Talvez tenham mais força para resistir…

2. Viver o presente da criança focados no seu futuro

O segundo erro que mais me assusta na escola é a forma como esta olha para a criança e a sua infância. A forma como vê as suas experiências e vivências presentes. Na realidade, integrar uma criança na escola, é iniciar-lhe um treino intensivo para que um dia possa ser o homem ou a mulher que ainda não é. A criança é vista como um projecto inacabado.
Importa o que ela um dia vai ser, como se não fosse já uma pessoa inteira. Retiramos-lhe, assim, o que ela tem de mais precioso na vida,  o “agora”. À semelhança do burro que caminha atrás de uma cenoura que nunca irá alcançar, também nós adultos fazemos o mesmo. Sacrificamos constantemente o nosso presente em nome de algo que não existe, e que há de vir (se tudo correr bem). Fazer isto às nossas crianças é ainda mais cruel. É de alguma forma, retirar-lhes parte da sua infância. Acresce a esta “visão” a lógica de que a criança tem que rentabilizar e “retribuir” à sociedade o investimento que é feito sobre si. Daí a necessidade de rapidamente a tornar eficaz e produtiva, o que de resto se reflecte nas avaliações a que começa desde logo a ser sujeita e de acordo com as quais passa desde logo a ser valorizada e classificada. Recaem sobre os nossos filhos o peso das expectativas e a angústia do possível fracasso. Da parte da criança, a resistência a essa integração forçada e “cobrança” precoce, traduz-se muitas vezes em comportamentos de desajuste, agressividade e rejeição das regras “dos adultos”.

 3. Acreditar que o sucesso escolar é preditivo de sucesso no futuro

Este terceiro erro atribuo-o essencialmente a nós, pais. A passividade com que por vezes aceitamos a forma de vida na qual estamos integrados, leva-nos a assumir, para nós mesmos, medos, angústias e crenças que a experiência, a ciência, ou a simples observação da realidade nos provaram estar erradas. Sucesso escolar não é sinónimo de felicidade.

Sucesso escolar não é sinónimo de sucesso na vida adulta. Podemos, sim, considerar que eventualmente trará melhores oportunidades de trabalho, de remuneração, de carreira promissora. No entanto, é tão fácil encontrar pessoas com carreiras brilhantes mas que escondem depressões, tristeza e insatisfação com as suas vidas, quanto é fácil encontrar pessoas com trabalhos simples, um orçamento apertado, mas que vivem o seu dia-a-dia com alegria, carinho e plenitude.
Quando nós, pais, passamos a acreditar que o sucesso dos nossos filhos se traduz em boas notas, esquecendo que o sucesso está em aprender (porque os nossos filhos estão suficientemente saudáveis e felizes para o fazerem), validamos as avaliações e passamos a atribuir aos nossos filhos um valor em números. Valor esse que nos chega da escola. Saímos do registo saudável do “aprender pode ser bom e saboroso” para o “ter boas notas é importante para o futuro”. Para termos melhores alunos, é no gosto pela aprendizagem que devemos focar-nos, e não tanto na avaliação dos resultados. O que acontece actualmente é que o desejo natural de aprender é “sufocado”, por um sistema desadequado, competitivo e excessivamente exigente. E as nossas crianças entram rapidamente numa corrida desenfreada mas sem rumo, como se de ratinhos numa rodinha se tratassem. Como se isso fosse, um dia, fazê-las feliz.

Há que considerar que no primeiro ciclo, a criança encontra-se numa fase de grande desenvolvimento emocional e vive uma série de conflitos intrapsíquicos que exigem compreensão, aceitação e validação do seu “sentir”. Contrariamente, a escola põe o foco em aprendizagens racionais e passa a mensagem de que importante não é sentir, nem pensar, mas receber do outro o que já está “colectivamente” pensado. O que nós, pais, deveríamos ter como principal preocupação seria que os nossos filhos ultrapassem estes desafios emocionais com sucesso.  Isso sim, é um bom preditivo de uma vida adulta saudável. E uma vida adulta saudável é preditiva de relacionamentos saudáveis, uma boa auto-estima, uma grande vontade de construir e de contribuir positivamente para o próprio e para a vida das pessoas à sua nossa volta. Pessoalmente, é a isto que eu chamo sucesso. As consciências estão a mudar.

É preciso refletir se as escolas de hoje não continuarão a servir um propósito de ontem, estruturando-se como fábricas de trabalhadores, para uma organização social que entretanto já mudou. Este modelo de escola foi importante, até fundamental, durante um período da nossa história. Entretanto, a estrutura social e as consciências continuaram a evoluir. Não terá chegado a hora da escola fazer o mesmo?

A curiosidade por novos modelos pedagógicos tem vindo a crescer. A procura de colégios seguidores do Método Montessori, da Pedagogia Waldorf ou Movimento da Escola Moderna, são alguns exemplos. Uma curiosidade crescente, mas ainda com pouca projecção a nível nacional.

No entanto, parece-me que não deixará de marcar a sua posição, numa altura em que pais e professores se sentem desconfortáveis com a realidade actual. “A ver vamos…”

Eu quero acima de tudo, que a minha filha seja feliz, hoje e sempre.

Por Ana Guilhas, Psicóloga Clínica
para Up To Lisbon Kids®

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2 thoughts on “Os 3 Grandes Erros da Escola
  1. Apenas para mencionar que os “novos modelos pedagógicos” da escola Waldorf, Movimento da Escola Moderna, Montessori, têm todos mais de cinquenta anos de existencia… o problema é que o modelo tradicional em vigor generalizado tem trezentos!!!

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