Chupeta digital – os pacificadores dos nossos dias
Chupeta em inglês diz-se “pacifier” – pacificador – e na realidade é exactamente isso: um pacificador.
A necessidade de lidarmos com as emoções existe desde que a Humanidade existe e de alguma maneira todos nós arranjamos maneira de as gerir, ou eu não estaria a escrever e vocês não estariam a ler-me.
Diz-se que os bebés em África não choram e quando choram isso é visto como não habitual, porque a proximidade entre mãe e bebé é tão grande (pelo menos tradicionalmente) que as suas necessidades são satisfeitas à medida que surgem, sem recurso a uso de, por exemplo, chupetas.
Antigamente usava-se uma “boneca” – pequena bola de pano com açúcar ou mel, que se dava às crianças para elas chuparem – com o objetivo de as acalmar. Mais tarde surgiram as chupetas de látex e de silicone, usadas com o mesmo fim.
O Bebé e a comunicação
Quando um bebé chora, o que está a acontecer é comunicação. O bebé diz-nos que tem uma necessidade não satisfeita e cabe-nos a nós mães, pais, cuidadores satisfazê-la. Os bebés são tão bons comunicadores que quem deles cuida consegue distinguir os seus choros, os seus ruídos, a forma como se movem, como abrem os olhos (ou não), etc., e satisfazer a necessidade específica comunicada. Na realidade, o choro comunica algo e a eliminação do choro sem satisfazer a necessidade da criança serve para pacificar os pais que sentem dificuldade em gerir as suas emoções perante o comportamento dos filhos.
Com a agitação das nossas vidas, é preciso muito foco na nossa intenção como pais e educadores. É essencial não nos distrairmos, deixando de perceber como satisfazer as necessidades das nossas crianças, garantindo o seu desenvolvimento de forma natural e que proporcione aprendizagem.
A escolha das formas que usamos para pacificar as crianças ao nosso cuidado deve ser feita com consciência, não perdendo de vista uma das grandes intenções na educação e que é, como atrás referido: promover aprendizagem. Se de cada vez que uma criança chora lhes oferecemos uma chupeta e essa é a resposta imediata para todas as necessidades, para todos os choros, para todas as birras, estamos a dizer-lhe que não precisa de ser tão específico na comunicação da necessidade porque a resposta será no imediato aquela e é quase como se também lhe disséssemos: “eu é que sei o que se passa contigo… o que precisas é de uma chupeta”. É neste processo, em que, apesar de fazermos o nosso melhor, investimos muitas vezes muito pouco na ligação, em que as nossas crianças aprendem o que lhes ensinamos sem satisfazer objetivamente as reais necessidades, que os tornamos ávidos por tudo o que lhes satisfaça de forma mais plena as necessidades que apenas foram apaziguadas.
Na nossa ânsia de cumprir calendário e de sermos altamente funcionais para proporcionar o melhor às nossas crianças, esquecemos muitas vezes que o melhor, o essencial, somos nós próprios, é a ligação que criamos, é o porto seguro que construímos, é a comunicação que se estabelece muitas vezes sem necessidade de palavra e que promove o maior ensinamento de todos: o de saberem que são vistos, que são ouvidos e que nós estamos naquele momento disponíveis.
Uso dos equipamentos digitais como forma de acalmar as crianças
Hoje temos à nossa disposição muitos pacificadores para além da chupeta: a televisão, o computador, as consolas, os smartphones (sempre à mão) e, em simultâneo, temos pais e cuidadores que, devido às exigências do ritmo de vida dito moderno, nesta agitação, fazendo o melhor que podem, escolhem “controlar” as suas crianças com um dos pacificadores disponível, muito mais eficaz que uma chupeta. Têm imagem, som, são sensíveis ao tato, são interativos, são quase uma ama eletrónica e satisfazem muitas necessidades ao mesmo tempo e por isso são tão populares.
A Humanidade está, neste momento, ligada aos equipamentos digitais e aos benefícios que nos trazem, sendo a quantidade de uso que deles fazemos uma escolha nossa, que deve ser feita com consciência das suas implicações e da sua real utilidade.
Por um lado, sabemos que os equipamentos digitais, ou melhor, os jogos, as redes sociais, o youtube, etc., podem causar dependência equiparável à do álcool ou das drogas, no entanto, sabemos também que a dependência surge quando existe espaço para tal. Quando existem necessidades não satisfeitas de alguma outra forma alternativa.
Sabemos que a maioria das crianças e adolescentes sente um enorme apelo pelos jogos, pela internet, pelas redes sociais, etc., tal como eu senti pela televisão quando apareceu e os meus avós sentiram pelo rádio e tudo isto é natural e, arriscaria até desejável. O nosso mundo está construído sobre a premissa da simplificação através da utilização de meios eletrónicos, logo, quando as crianças os usam, estão a treinar competências que lhes serão necessárias quando forem adultos e quando começarem a comandar autonomamente as suas próprias vidas. Então qual é o problema?
O problema é que vemos os gadgets, a serem utilizados como pacificadores e, como agravante, desde muito cedo, sem que sejam oferecidas muitas vezes alternativas reais que promovam ligação entre pais e filhos, porque também nós andamos constantemente a utilizar os nossos equipamentos. E nesta azáfama digital perdemos o contacto connosco e com os nossos filhos se não mantemos a consciência e foco na nossa intenção de aumentar sempre a conexão, a partilha, a interacção e a cumplicidade.
Então, afinal, sim ou sopas? Eu diria que sim e sopas! Ou seja, os equipamentos digitais fazem parte do nosso mundo, da forma como nos relacionamos, da forma como aprendemos e da forma como produzimos e isto é um facto. Mesmo que decidamos ir viver para uma comunidade afastada dos avanços do mundo e da produção em série, provavelmente, vamos pesquisar na net algo sobre permacultura, sobre eco-sanitas, sobre como fazer sabonete e champô, ou sobre a forma natural de resolver este ou aquele problema. No entanto, os equipamentos só em caso de necessidade extrema devem ser usados como pacificadores.
O que é que acontece quando usamos os equipamentos digitais como pacificadores?
O que é que acontece quando os oferecemos às crianças nos momentos em que têm de ser confrontadas com a necessidade de ter paciência, de gerir a frustração ou outra emoção dita negativa? O que acontece é que estamos a criar uma associação entre essas emoções e distração. Estamos a ensinar ao seu cérebro que é muito mais tranquilo distrair-se, pois não tem de gerir a paciência ou a frustração. Estamos programados para escolher as respostas que nos permitem gastar menos energia, e assim, a distração passa a ser a resposta preferida para gerir as emoções mais desafiantes. Esta fórmula pode ser usada sempre que sentimos desconforto… estou triste, então distraio-me porque sei que diminuo a intensidade da emoção que estou a sentir, estou farto de estar numa aula de noventa minutos e a minha resposta a essa insatisfação é… a distração. Neste processo, estamos a perder a oportunidade de aumentar a literacia emocional das crianças e de as ensinar a gerir as emoções, ao escolhermos não ativar o modo cuidador, mas sim o modo coexistente.
Há uns dias, um pai dizia-me que geria o tempo e os momentos em que permitia que o filho usasse o seu smartphone, o tablet e o computador. Disse-me que à mesa, durante as refeições nunca permitia, nem quando estava a brincar com a criança, que a tecnologia se interpusesse na sua relação. Curiosa, perguntei a idade da criança… tinha dois anos e meio…
Muitos estudos têm sido feitos, e com resultados quase opostos, sobre a utilização dos equipamentos, sobre os seus benefícios e prejuízos e, na falta de ciência inquestionável. O que é, no entanto, inquestionável é que a chave da nossa felicidade e da dos nossos filhos, a chave do seu desenvolvimento harmonioso a par de uma autoestima saudável reside na ligação que com eles estabelecemos, no nível de conexão que resulta da forma consciente como nos dispomos a estar presentes nas suas vidas.
Por Maria José Pita, coach e facilitadora de Parentalidade Consciente
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