Os nossos filhos não são depósitos dos nossos sonhos
Muitos vezes, consciente ou inconscientemente, ansiamos que os nossos filhos se tornem na pessoa que desejávamos ser. Contamos que sigam aquele curso que gostaríamos de ter feito e acabamos por transferir-lhes a responsabilidade de viver tudo aquilo não fizemos.
Os filhos são o nosso legado, a perpetuação de quem fomos. Através deles permanecerá a continuidade de nossa existência e do nosso amor que recordarão para sempre. São os nossos bens mais preciosos, a razão de nosso viver, o combustível que nos dá forças diariamente, o amor incondicional e verdadeiro.
É natural querermos sempre o melhor para eles e termos orgulho do que são, das suas conquistas, da pessoa em que aos poucos se vão tornando.
No entanto, tendemos, muitas vezes, a concentrar-nos excessivamente nas suas vidas parando de prestar atenção a nós próprios, no que somos para além deles. Assim, acabamos por projetar nos filhos tudo o que é nosso: os nossos sonhos, projetos, e as nossas vontades.
Criamos expectativas em relação a eles que, no fundo, são expectativas em relação a nós. Esperamos que os filhos se tornem alguém que nós queríamos ter sido; desejamos que tirem o curso que gostaríamos de ter tirado. Transferimos aos filhos a responsabilidade de viver o que nós não vivemos.
Não é fácil confrontarmo-nos com as nossas desistências quer tenha sido por falta de coragem ou força de vontade, por falta de dinheiro, ou porque os nossos pais na altura não nos deixaram seguir um sonho. Enfrentar o que não se disse, que não se viveu ou não se realizou.
Como não queremos que nossos filhos sintam o gosto amargo dos arrependimentos que nos assombram, sem querer, acabamos por extrapolar os limites de uma orientação sadia, impondo-lhes escolhas que lhes cabem apenas a eles.
Para muitos de nós, é quase impossível resignarmo-nos com o fato de que a vida é dos filhos, os sonhos são deles, os erros – incontestavelmente imprescindíveis – serão também deles.
Os nossos filhos são pessoas que pensam, agem e vivem de forma autónoma. Que têm os seus próprios desejos e sonhos. Carregam as verdades que construíram de acordo com o que sentem, com a forma como lidam com o mundo à sua volta e não seguirão, obrigatoriamente, caminhos iguais aos nossos
Lançar-se-ão ao mundo, desfrutarão as alegrias, enfrentarão os dissabores, entregar-se-ão às paixões, munidos de toda bagagem emocional acumulada à maneira deles e, por mais que não se perceba, haverá sempre muito do pai e da mãe dentro deles.
É natural preocuparmo-nos com as escolhas dos nossos filhos. A experiência permite-nos antever as consequências futuras dessas decisões, e por isso, muitas vezes encaramos as suas escolhas de forma negativa. Não é fácil, por exemplo, vermos os filhos a optarem por profissões sem saída profissional, a apaixonarem-se por quem não nos agrada, ou até a vestirem-se de formas tão alternativas que chocam.
Nesses momentos, cabe aos pais perceberem se eles estão confortáveis e felizes com a sua escolha e se não estão a prejudicar ninguém. Se não estão a cometer nenhum crime ou ilegalidade, a comprometer a ética e os bons costumes, se não vão por caminhos autodestrutivos, então temos de deixá-los viver com as escolhas que fizeram – por mais que isso doa.
Quanto mais vivermos a vida dos nossos filhos, menos estaremos preparados para vê-los crescer e tornarem-se independentes. É natural e saudável orgulharmo-nos das conquistas e da pessoa que os filhos se tornaram, no entanto, pais que dependem disso para a satisfação pessoal estarão irremediavelmente fadados a sucessivas quebras de expectativas.
Pautar a própria vida pelas medalhas, diplomas, desempenho escolar e troféus dos filhos é despedir-se aos poucos de si mesmo, é fugir ao autoconhecimento, que deve ser diário e que depende de olhar para si próprio como alguém que pensa, age e possui vontades e anseios só seus, intransferíveis. Depositar os nossos sonhos na vida dos nossos filhos, para exibi-los como prémios é injusto, pois retira-lhes o direito de serem o que são, de respirarem o próprio viver.
Na verdade não existem regras, manuais ou instruções sobre como criar os filhos, até principalmente porque todas as pessoas são únicas. De outra forma, irmãos criados pelos mesmos pais seguiriam o mesmo caminho, fariam as mesmas escolhas, o que não acontece nem sequer com irmãos gémeos.
Saber ponderar e distinguir orientação de imposição ao lidar com os nossos filhos é uma tarefa árdua, mas imprescindível para que consigamos vê-los crescer, procurando a felicidade e lutando com segurança contra os reveses da vida.
Tudo o que fizemos pelos nossos filhos estará sempre com eles, guardado para ser usado na altura certa, com a sabedoria de que permitimos que se desenvolvessem através dos nossos exemplos de vida.
Inegavelmente, sentiremos sempre orgulho deles, porque iremos rever-nos nos seus olhos e teremos a certeza de que jamais morreremos nas suas memórias.
Por Marcel Camargo, publicado em A soma de todos os afetos, adaptado por Up To Kids®
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