Os pedidos de desculpa não tem prazo de validade
Quando contei à minha família que estava grávida, a reacção de maior felicidade veio da minha irmã. Gritou vezes sem conta “vou ser tia!”, saltou e chorou. Apesar desta alegria inicial, o desenrolar da gravidez trouxe outras questões.
A verdade é que, do alto dos seus 22 anos, a minha irmã não conseguia encarar a gravidez como mais do que um conjunto de alterações físicas. O nosso amor pela bebé crescia a velocidades distintas.
Desde o segundo mês de gravidez até dois dias após o parto fiquei longe do pai do bebé que estava em Angola a trabalhar (eu só regressei a Portugal depois de engravidar). Tal fazia com que tivesse necessidade de ter maior atenção de quem me rodeava; a verdade é que jamais me havia imaginado a passar por um processo de gravidez longe do meu marido. Eu tentava ter companhia e envolver a minha irmã no processo mas ela não percebia a emoção de momentos tão simples como ver uma barriga a tremer com os pontapés de um bebé ou de ouvir o bater do seu coração – estávamos em patamares díspares.
Nos primeiros tempos de vida da sobrinha o problema persistiu. Embora comprasse imensa roupa e miminhos, a minha irmã dizia não conseguir ligar-se a ela por ainda haver pouca interação. Além disso, não compreendia o que eu vivia (o pai da bebé só regressou definitivamente quando ela tinha quase quatro meses), pelo que não colaborava muito na rotina, não me acompanhava nos longos passeios solitários pelo parque e não abdicava de sair para estar comigo.
Os meses passaram, a bebé cresceu e começou a sorrir, a palrar, a interagir de forma mais clara. Tia e sobrinha tornaram-se inseparáveis e até hoje são as melhores amigas.
O pequeno Alex
Quase 2 anos depois, a minha irmã engravida. Infelizmente foi um período duro da sua vida em termos pessoais. Desliguei-me do mundo e dei o máximo para suavizar esta fase mais amarga.
Com apenas 35 semanas de gravidez as águas rebentaram. O nosso Alex nasce prematuro e com um quadro de dificuldade em respirar e em alimentar-se. Penso que conhecerão a dureza da realidade dos bebés prematuros e por isso não me irei alongar. Deixo-vos apenas a noção de que nunca passei tantos dias num hospital esmagada pelas incertezas. Acompanhei de perto a minha irmã e o meu sobrinho. Era a primeira a chegar e das últimas a sair, ligava-lhe constantemente durante a noite, tratava do que era necessário.
Numa das nossas visitas à Neonatologia, depois de estarmos juntas a tentar que o Alex mamasse, a minha irmã olhou para mim e de lágrimas nos olhos disse: “Tânia, tenho pensado imenso em tudo o que tem acontecido e queria pedir-te desculpa. Sem o teu apoio isto estaria a ser muito pior para mim, não imagino como deve ter sido para ti passar por estes primeiros tempos sem o meu. Fui egoísta, só pensei em mim e por isso quero que saibas que me arrependo e que se voltasse atrás faria tudo de forma diferente”.
Chorámos, abraçamo-nos de forma sentida e fortalecemos laços.
Ainda que este não fosse um assunto mal-resolvido para mim, pois entretanto tia e sobrinha desenvolveram uma relação fantástica, foi incrivelmente libertador receber aquele pedido de desculpa tão sincero. O facto de ultrapassarmos as questões não significa que se apaguem. Por vezes apenas se esbatem ligeiramente. Por isso, mexer nelas, ainda que possa doer ao início, pode trazer-nos uma paz indescritível.
Por muito que o tempo passe, um pedido de desculpa pode fazer toda a diferença. Sim, os pedidos de desculpa não têm prazo de validade! Mais, ainda que nos incutam a ideia de que é um acto de fraqueza e submissão tenho aprendido com a vida que só os mais fortes, corajosos e altruístas são capazes de o fazer, mesmo que levem o seu tempo.
A entrada no mundo da maternidade rapidamente se revelou menos “purpurino-brilhante” do que havia imaginado. Poderei ser uma mãe que se sente completa, com disponibilidade para a sua prol, se não cuidar de mim enquanto mulher? Poderei ser uma mulher feliz se não me sentir uma mãe livre?