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Os “Trump” do recreio

Quando um filho te diz que há um colega no recreio que lhe está sempre a bater, tentas ser sensato: Já disseste à professora? Quando ele te fizer isso vai logo ter com o adulto mais próximo e explica o que se passou. Mas depois ele responde que já fez isso tudo e que a situação continua a repetir-se. Tem medo da escola, anda mais ansioso. E tu também. Durante o trabalho a avó liga para te avisar que hoje o neto voltou da escola arranhado. O colega do costume. Então percebes que a pressão vai surgir de outros lugares. Haverá um novo tema de conversa durante os almoços de domingo em família. Respiras fundo, e decides. Amanhã é melhor passar pela escola, o braço dele está mesmo feio e esta situação é insustentável.

Sabes o nome dele, mas não o mencionas: Vim falar consigo porque há um menino que está constantemente a magoar o meu filho e alguém tem que fazer alguma coisa. Compreendo que há crianças com problemas mas os colegas não têm culpa, e ele já está com medo de vir para a escola. Recebes uma resposta, política, gasta, formatada: Não podemos fazer nada, os pais nem aparecem, não há funcionários para vigiar o recreio, já pedimos apoio mas tarda em chegar. No final da conversa, uma sugestão amarga, mascarada de profissional: ensine-o a defender-se e verá como isto deixa de acontecer.

Enquanto conduzes para o trabalho sentes-te ainda mais confuso, mas apoiado. Por um lado não te parece correto ensinar o teu filho a bater, mas por outro sentes que és negligente quando o impedes de ser vítima de um agressor. Afinal, foi o professor, em pessoa, quem te autorizou a usares os teus próprios meios para lidar com esta a situação. Ensinar o teu filho a defender-se parece justo. Instintos básicos de sobrevivência gritam mais alto, e entretanto, tu já não és tu, és só reacção. Dás um pequeno passo para fora daquilo que sempre foste, mas não interessa. Agora és uma fera a defender a sua cria e a ensinar-lhe tudo o que for preciso para se proteger.

Eficaz. Aprendeu a lição esse menino do costume. De qualquer forma também já ninguém queria brincar com ele, os pais que lhe dêem educação. Teve o que merecia e agora o teu filho já não tem medo de ir à escola. E tu voltaste a ser tu, aquilo foi uma situação isolada, mas serviu de exemplo: o teu filho já aprendeu que para se defender só tem dar um pequeno passo para se afastar daquilo que tu sempre lhe ensinaste, do que os teus pais sempre te ensinaram a ti.

Atacar é uma palavra legítima quando se é vítima de alguém. Bem que podia ser o menino agressor do costume a dizer isto. Esse que também é filho, neto e aluno de alguém e que usa a força, como o teu filho agora, para parar de ser vítima. Pequenos passos.

O apoio chegou mas agora nada parece servir para controlar os miúdos no recreio. A indisciplina aumentou muito e há grupos que se protegem a atuar à laia de gang organizado. Tudo pode ser dito, pensado, feito e acusado por impulso. Todos temem: eles já não são eles.

A situação está fora de controlo, e ninguém sabe como é que isto aconteceu de um momento para o outro. Nem tu, nem todos os que à tua volta deram pequenos passos isolados, para longe de si mesmos.

imagem@Robbie Cooper “Emmersion”

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