
Pai não gosto de Ti. Adoro-te. Aprendi tanto contigo, pai.
Pai não gosto de Ti.
“Porque ser teu filho é uma história interminável, uma aprendizagem incomensurável, um amor inabalável.”
Claro que se pedia uma abertura com espírito infantil. Pai não gosto de ti. Adoro-te! É assim, com alma de eterna criança que fico quando penso em ti pai.
Sou pai há 12 anos. Mesmo assim acho que nunca vou ter altura para entender o mistério. Não vou ter palavras para definir. Nem há medidas para tal quantidade de sentimentos.
Aprendi tanto contigo, pai. Mas gostava de deixar aqui registado a lista das dez coisas mais inesperadas que me transmitiste.
1 – Quando pediste ao avô para me levar até ao fim da rua numa volta mágica de carro.
Para que tu e a mãe tivessem tempo de deixar a árvore de natal repleta das prendas desejadas, ensinaste-me o valor do onírico, o desejo de sonhar, a vertigem do inesperado cheio de humor. Ainda hoje sinto o coração a vibrar quando me lembro da cena.
2 – Quando me perguntaste quais eram as minhas intenções com aquela que veio a ser a mulher da minha vida.
Ensinaste-me a responsabilidade, a gentileza e o respeito.
3 – Quando me perdoaste rápido pelo erro grave naquele local onde treinavas.
Senti a segurança eterna e blindaste-me. Esse amuleto, trago sempre comigo. Para sempre comigo.
4 – A tua caixa de madeira com moedas raras, os teus perfumes, os teus isqueiros, ensinaram-me o valor dos hobbies para a vida plena.
A tal vida abrupta e, por vezes, indecorosa capaz de roubar o tempo e a presença dos nossos mais preciosos amados. A tal vida que merece ser placada com inteligência. Placada com prazeres e interesses.
5 – Quando te vi no hospital a olhar para a tua neta mais nova com o mesmo brilho com que olhaste para a primeira.
Ensinaste-me a acordar com força, a investir contra o cansaço, a olhá-la também com esse brilho, com essa ternura.
(Sabes, tenho que fazer um parêntese. Hoje li, sem querer, o bilhete que o teu neto me está a escrever para o dia do pai. Estava em cima da secretária dele. Acho que ele partilha connosco alguma fantasia. Ele dizia que eu era o melhor pai do mundo, que não interessavam os erros (acho que a frase é tua). Dizia que a nossa estrada é infinita, que nós estamos lado a lado numa mota em direção ao infinito. E que vamos conduzir para sempre. Não é bonito? Adorei. Depois mostro-te quando ele me der).
6 – Quando partilhaste comigo o teu ritual dos domingos.
Reconheci o futuro e uma fórmula para perpetuar vínculos e laços. Hoje também exerço esse ritual. Eu e o teu neto. Por vezes, eu e a tua neta.
7 – Quando me ias buscar de surpresa à escola, senti surpresa.
Depois, anos mais tarde, senti que era mais do que um acaso. Era proximidade. Era prevenção.
8 – Quando te telefono e ouço o tom com que me chamas “filho”.
Reconheço a distância. Essa cruel distância que nunca irá ganhar, simplesmente porque não existe. Não lhe damos confiança. Entre nós não há dessas coisas.
9 – Quando me contaste a história para adormecer, nem sonhava com o seu poder.
Poder de transformar uma cama num barco, um quarto numa selva, um sonho no sonho e um choro num sorriso.
Como este sorriso que tenho ao escrever-te. Como este sorriso por descobrir a ausência do ponto número dez. Não o vou escrever. A lista é interminável. Vou reescreve-la todos os anos por este dia. E pararei sempre no número dez. Porque ser teu filho é uma história interminável, uma aprendizagem incomensurável, um amor inabalável.
O teu neto tem razão. Também acho que a nossa estrada é infinita, que nós estamos lado a lado numa mota em direção ao infinito. E que vamos conduzir para sempre. Vamos embora?
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A criação do Mundo Brilhante permite-me visitar escolas de todo o país e provocar os diferentes públicos para poderem melhorar. Agitamos. Queremos deixar marcas.