Falava há dias com um amigo sobre a educação e a forma como o sistema de ensino mata a nossa criatividade e nos treina para não sermos criativos.
Inspirados por Sir Ken Robinson, partilhámos as experiências que cada um de nós tem: ele, pai e criativo; eu, sem filhos, madrinha de cinco e filósofa.
E veio-me à memória – não uma frase batida, como acontece na música do Sérgio Godinho – mas uma história que aconteceu no albergue da UPPA (a União para a Protecção dos Animais), onde sou voluntária.
A filha de uma das voluntárias, a Leonor, caminhava pelo albergue, a distribuir biscoitos pelos patudos. A mim cabia-me a tarefa de segurar nos braços uma cadela muito assustada, que tinha sido recolhida há dias. A nosso lado um conjunto de livros fazia monte – recolhemos papel, plástico e metal para trocar para vender e assim angariar fundos para alimentar e tratar os 60 animais que estão ao nosso cargo. A Leonor olhou para o monte e viu um livro, a Gramática do Ratinho. Perguntou-me o que era. Expliquei-lhe que era uma gramática. “O que é isso?” Bom, é um livro onde temos as regras para falar bem – e escrever também.
“Explica melhor”, pediu a Leonor que confessou ainda não saber ler, pois só vai para o 1º ano em Setembro. Imagina que eu te digo “O Fred é um cão muito fofinho”. Compreendes? Leonor acenou afirmativamente com a cabeça. E se eu disser “Muito cão é um fofinho Fred”. Percebes? A Leonor riu-se. Continuei a explicação: a gramática ajuda-nos a pôr as palavras no sítio certo, como da primeira vez que eu falei do Fred e tu percebeste.
Continuámos no nosso exercício de palavras baralhadas e divertimo-nos muito.
De repente, no céu, um avião daqueles com uma mensagem. E a Leonor chama a nossa atenção dizendo: “Olha, olha! Palavras voadoras”.
O que a escola tantas vezes faz é matar este olhar, este espanto de ver as coisas pela primeira vez. Sim, é um avião que traz consigo publicidade. Eu não vou dizer à Leonor que a sua observação é tonta ou baralhada como o jogo que fazíamos com as palavras. Sabem porquê? Por que aquilo que a Leonor tem sentido para mim e todos nós conseguimos compreender aquilo que ela disse. E é uma pena que, ao crescer, percamos esta magia que o espanto provoca numa criança: dizer aquilo que se vê e curiosidade para saber mais daquilo que se vê. Tal como aconteceu com a gramática do Ratinho que, à partida, não será o livro de eleição da Leonor, neste momento. Mas porque não abrir e mostrar o que lá tem dentro?
E explicar que a gramática põe as palavras na ordem? – até as voadoras!
Por Joana Rita Sousa. para Up To Kids®
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