Pedir um intervalo ao tempo

Pedir um intervalo ao tempo

Pedir um intervalo ao tempo

Ela foi mãe tarde, mas sempre sonhou com esse dia.

Leu todos os livros, preparou-se para tudo o que aí vinha e levou o marido a fazer o mesmo. Acreditava que se soubesse tudo, não haveria razões para não ser uma boa mãe.

O primeiro filho nasceu e depressa percebeu que faltavam vários capítulos aos livros que tinha lido. Ela poderia escrever praticamente uma colectânea com as coisas que tinha aprendido – aprendido que não sabia.

Deixou-se levar ao sabor do vento, seguindo o seu instinto, dando o melhor de si.

O marido, vendo que afinal as coisas não eram como lhe tinham dito, foi-se afastando aos poucos – ao ponto de ser quase um estranho para o filho, para a mulher. Ela continuava a sua luta, queria dar o melhor ao filho, mesmo que isso significasse apenas estar lá. Mas a preocupação constante com aquilo que lhe parecia escapar fez com que se esquecesse do mais importante – conhecer o seu primogénito. Falar com ele, mesmo quando ele mal respondia. Não que não lhe falasse, mas não ouvia a resposta que vinha do outro lado. Foi fazendo as vontades todas, para que não faltasse nada à criança. Esta, sem outra opção, acabou por ficar mimada. De fora, viam-se alguns comportamentos a corrigir, mas apenas isso. Para ela, que estava dentro da bolha, parecia começar a tornar-se insustentável. Afinal, estava sozinha – apesar de acompanhada – com uma criança a que não sabia o que fazer. Depois de muitas noites em claro percebeu a solução: dar-lhe um irmão. Isso abriria os horizontes do primeiro filho, ajudá-lo-ia a partilhar, a perceber que as coisas não são sempre como ele quer (apesar de serem assim porque a mãe se esforçou sempre nesse sentido).

Ela guardou numa parte recôndita da sua alma o facto de se sentir perdida e sozinha mesmo tendo uma pessoa ao seu lado. E segundo filho veio. Para ajudar o mais velho, repetia vezes sem conta. Mas o mais velho, já capaz de tomar conta de si, viu a sua realidade mudar do dia para a noite. O segundo filho passou a ser o centro de tudo: da atenção, dos cuidados, do amor. Como nunca tinha sido ouvido, o mais velho não falou. Faltou-lhe a coragem e a voz. Foi crescendo e aprendendo, à sua própria conta, o seu novo lugar naquela casa. Deixou de ser mimado, naturalmente, o mimado agora era outro. Passou a ser um espectador dentro da sua própria casa. Não podia fazer isto e aquilo por causa do mais novo, se este lhe batia ou estragava os brinquedos nunca era repreendido – e o mais novo tornou-se o dono da casa.

O cansaço fazia-a lembrar-se que estava sozinha, mas a quantidade de coisas que os filhos (mesmo que o mais velho se limitasse a seguir a onda) exigiam deixavam-na sem tempo para perceber o que estava a acontecer debaixo do seu tecto.

Passaram-se vários anos e, apesar das suas boas intenções, o amor não bastou.

Não bastou no início, para que o marido percebesse que ela precisava de ajuda para conseguir dar conta do recado; não bastou para que um filho ainda a ser educado fosse compreendido com a importância que tinha e tem; não bastou para que o mais novo tivesse uma educação melhor, com erros a serem corrigidos.

O amor não bastou.

E a ela, hoje, sobra-lhe cansaço. Luta diariamente sem perceber que lá atrás podia e devia ter parado para pensar. Ainda hoje pensa tão depressa que não respira. Toma as decisões com o coração e sofre com elas.

Esta mãe tem dois filhos. O mais velho perdido sem saber o seu lugar. O mais novo por achar que todos os lugares são seus.

Tem uma luta pela frente. Mas a primeira que devia travar era consigo mesma. Parar. Ouvir. Chorar. Descansar. Criar uma estratégia. Acima de tudo mudar. Mas a mudança assusta, principalmente quando nos sentimos (e estamos) sozinhos.

Esta mãe podíamos ser nós.

Como ela, temos também muito a corrigir, a pensar. Como ela, damos o nosso melhor. Como ela, às vezes merecíamos ter uns segundos para parar.

Mas o tempo não pára, a vida segue e temos de ser.

Mães, mulheres, educadoras, amantes, amigas, trabalhadoras. Animadas, interessantes, interessadas, informadas, cultas, divertidas e de bem com a vida.

Que a história desta mãe nos lembre que não faz mal não saber tudo. Que é bom pedir ajuda.

Que é sempre tempo de mudar.

Para melhor.

Pelo bem dos nossos filhos.

Para nosso bem.

 

Marta Coelho

 

Imagem@weheartit

MÃE DE UMA MENINA, É PARA E POR ELA QUE ESCREVE SEMANALMENTE, PASSANDO PARA PALAVRAS OS MAIORES SEGREDOS DO VERBO AMAR.

Autora orgulhosa dos livros Não Tenhas Medo e Conta Comigo, uma parceria Up To Kids com a editora Máquina de Voar, ilustrados por aRita, e de tantas outras palavras escritas carregadas de amor!

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