Ensino Doméstico
Home Schooling, um ano letivo de crescimento
Já nos habituamos às expressões de dúvida e espanto quando dizemos que a Francisca este ano está a fazer educação doméstica (Home Schooling). “Isso é possível em Portugal?” Perguntam-nos. Sim desde 1977! Pelo menos como a conhecemos hoje.
Dados disponíveis relatam que, os números têm vindo a duplicar de ano para ano, especialmente nos primeiros anos de escola. As razões são as mais variadas: pais e alunos desiludidos com o ensino em geral, pais que viajam, alunos com as mais diversas dificuldades na escola ou por motivo de doença. O Home Schooling pode ser frequentado até ao 12º ano.
Este é o relato da nossa aventura na Educação Doméstica, onde o percurso tem sido de tentativa erro e muita vontade de aprender num sistema que apesar de o permitir, ainda não o faz adequadamente.
Durante a instrução primária fui uma mãe bastante resignada.
Não me queixei de nada, conheci professores que deram o seu melhor dentro das possibilidades que tinham, auxiliares que vestiam a camisola a troco de um salário e condições de trabalho que por vezes impossibilitam a sobrevivência básica. Sempre com gesto carinhoso para com a minha filha ou um sorriso para mim, mãe! Um professor diferente por ano; professores forçados a trabalhar com problemas de saúde mental a beira de exaustão e desgaste acumulado. Matéria despejada e dada para atingir sabe-se lá que objectivos. Exames nacionais, que em nada reflectiam o que os alunos realmente aprendiam. Escolas mantidas com a boa vontade de associações de pais e pais disponíveis para pintar paredes ao fim de semana.
Isto para nós foi o que que mais nos marcou, os afectos a meio de tanta coisa a correr menos bem. Culpa, na minha opinião, de um sistema há muito com falta de atenção concreta e assertiva, de um olhar mais critico e com desenvolvimentos e acções contínuas a pensar no aluno, independentemente de vontades de governos de cores diferentes.
Durante a escola primária viajamos a meio do ano letivo, duas vezes, ambas em Janeiro.
Estas viagens eram inevitáveis, mas tiveram um impacto nos resultados escolares da minha filha. No segundo e quarto ano fomos para a Guiné Bissau e Brasil respectivamente, onde eu fui trabalhar e para o Brasil, para onde fomos para a minha filha conhecer a família
Apesar de ter muita sorte por ter uma família que me dá apoio e fica com a Francisca quando me desloco em trabalho, (sendo uma família mono parental), por vezes tenho que a levar comigo. Adoro e prefiro, mas nem sempre foi possível.
No 5º ano fomos viver para Paris. A Francisca ficou numa das muitas escolas internacionais em França onde existem as chamadas secções de vários países incluindo a de Portugal. Geridas pela Fundação Camões no âmbito da Lusofonia, pelos Ministérios da Educação e dos Negócios Estrangeiros, os pais podem garantir o ensino de Português ao mesmo tempo que o Francês, gratuitamente.
Um ano numa Escola Internacional em França
Foi durante este ano, que aprendi que o ensino em geral está todo errado!
Ao chegar a uma escola nova num pais novo, intitulada como uma das melhores de França, a pressão esteve presente desde o inicio com exames vários e entrevistas. Se isto não era o suficiente, numa espécie de ameaça velada, um professor de Português disse na primeira aula aos alunos, que se não mantivessem notas altas seriam posteriormente colocados nas escolas satélites.
Como se fosse um castigo maior para quem não desempenhasse bem o seu dever de estudante. Falamos de a miúdos de 10 e 11 anos. Isto fez com que as crianças sentissem uma pressão e competição desmesurada entre alunos. Estes questionavam-se constantemente sobre sua própria prestação e desenvolveram um medo absurdo de não permanecer na escola principal, a “desejada para os melhores”, entre os melhores. Insinuar que estas escolas não eram boas resultaram num impacto negativo para a secção Portuguesa que geria, então, excesso de alunos para o espaço existente. Muitos teriam de ir para as escolas satélite – que na realidade são escolas normais e boas. Apenas, não estão inseridas no ensino regular Francês e por isso são considerada fora do elitismo que estas escola internacionais tentam manter.
No final do ano, tanto pais como alunos da secção Portuguesa não queriam os filhos nessas escolas.
Essa situação seria vista como um falhanço. A secção, sem qualquer transparência ou critérios claros estipulados e publicados, decidiu. A Francisca foi uma das muitas crianças que teria de mudar de escola no ano seguinte – teve o seu primeiro grande desgosto. “Mãe, o meu trabalho e esforço, não foi o suficiente!” Disse-me com os olhos vidrados de lágrimas. Estava tudo errado neste processo.
Saia das aulas diariamente às 16h e à quarta-feira não tinha aulas a tarde. Todos os dias carregava cerca de 8 quilos as costas e nos dias que tinha aulas de Português o peso aumentava quase mais 4Kg. Os TPC eram diários, enviados por email e com data limite cerca de 15 dias, mas quem não entregasse nos primeiros dias tinha direito a uma reprimenda por mail ou verbal. “Minha Senhora, a Maria não esta a avançar o suficiente!” ou “Minha Senhora, a Maria é muito lenta, alguns dos seus colegas entregam tudo com muito tempo de antecedência” Dizia-me o professor de Francês. A pressão foi aumentando e tivemos de abdicar de tempos livres para ficar a estudar até às 22h.
“As mães do liceu internacional sentam-se com os filhos a fazer os trabalhos de casa!” Disseram-me inúmeras vezes.
As dificuldades de adaptação a uma língua nova numa escola nova tinha sido ultrapassada, mas com um custo – o de ser criança.
“Nesta escola os miúdos não tem tempo para ser crianças” – Dizia-me uma mãe de um miúdo de notas excelentes mas que muitas vezes sentia o vazio da pressão e saudades de ter tempo para o desporto e para estar simplesmente com os amigos. Havia dias em que dizia à minha filha para largar o computador, e parar de trabalhar, ao qual respondia “Mas mãe, assim vão-me ralhar! E o pior é que se não trabalhar o suficiente vou para a outra escola!”. Eu sempre lhe disse “Se queres, esforça-te filha, as pessoas conseguem atingir objectivos quando se dedicam! Se no final do ano não ficares na escola mas tiveres dado o teu melhor, isso bastará para mim. Porque tu és o suficiente!”
No entanto, sentir que todo o sacrifício fora em vão e desvalorizado, foi um golpe muito duro de digerir aos 10 anos de idade. Para ajudar a aceitar, pedi ao director da secção que lhe explicasse quais eram os critérios de selecção da escola. No meio de um discurso quase desconexo de tom paroquial, não o soube fazer apenas disse, agora quase no final do ano, que afinal a outra escola era muito boa! Não ajudou, e assim decidi que não ficaríamos em Paris. Sendo este ensino o oficial, para mim não era o que precisávamos ou queríamos. O ensino é que não era o suficiente.
Ensino Doméstico / Home Schooling em Portugal
Antes de regressarmos já tínhamos decidido fazer educação doméstica. Liguei para o ministério da educação para me informar e inscrevemo-nos numa escola oficial. O processo demorou mais do que o previsto pois levantou-se a questão da equivalência do ano escolar. Apesar de a secção Portuguesa estar sob a tutela do Ministério da Educação, o cruzamento de informações não foi simples. Agradeço à Fundação Camões em Franca que fora extremamente prestável e célere.
Depois de a inscrever neste sistema de ensino, percebemos que tem de realizar os exames anuais a todas as disciplinas excepto a Educação Física. Isto inclui Música, Educação Visual e Educação Tecnologia, sendo que nestes testes além da parte escrita é contemplada uma parte oral e outra prática em determinadas disciplinas. No 2º ciclo paga-se uma taxa única de 10€ para a realização dos exames. Obter informação para as matérias tem sido uma luta, principalmente para as disciplinas de Musica e EVTs. Talvez por não haver directivas expressas para estes alunos, a escola apenas nos facultou cópias dos exames de 2015, último ano que tiveram uma aluna do 6º ano neste sistema.
Nos sites do Ministério da Educação a informação é escassa ou nenhuma.
Na internet a informação é pouca e muitas vezes incorreta. Há um grupo de apoio a pais, mas não há neste momento nenhum movimento que pressione para que se reveja a Lei de 1977 que regula o ensino doméstico.
Nomeadamente questionar haver teste de Música e EVT. Valorizo bastante estas áreas, mas como se resumem num exame? Como é que se prepara uma criança para estas disciplinas? Parece-me ingrato e dispendioso! Se estiverem a fazer Home Schooling e a querer trabalhar de forma diferente ficam de pés e mãos atadas porque não há critérios e objectivos estipulados que dêem uma maior liberdade a pais e alunos de forma a que possam demonstrar o conhecimento adquirido nas mais diversas áreas.
Da escola Francesa aprendeu a falar e ler fluentemente, e apesar da loucura dos trabalhos, desenvolveu métodos de estudo e organização.
Passamos a tirar notas e a aprender com amor as matérias de História, Ciências e Literatura. Fazer trabalhos de pesquisa e apresentações sobre temas das várias matérias. Visitamos museus, principalmente nos dias gratuitos, porque para estes alunos não estão contemplados descontos de estudante.
Os livros foram escolhidos por matérias e sem listas fixas, em bancos de livros escolares e o restante adquirimos nas livrarias, principalmente na livraria solidaria de Cascais a Déjà Lu, onde somos também voluntárias para a despertar para a solidariedade e a ensinar a valorizar o trabalho. O exercício físico está nas caminhadas, as obrigatórias porque andamos a pé para todo o lado. O ballet é paixão da minha filha. As aulas de Matemática, matéria em que a mãe é nula, após muita procura optamos pelo Brain Alive, um espaço onde se aprende pela valorização do erro e a preços acessíveis. Aqui aproveita para conviver com outros alunos.
No primeiro teste teve 20%, após 3 meses estava a vencer o desafio do mês! Ganhou autoconfiança e passou a acreditar em si e nas suas potencialidades. Sente-se um individuo com algo para dar a sociedade. Vê filmes educativos e opina sobre vários temas que começou a explorar recentemente. Usa termos e expressões pouco usuais para a sua idade, tem tempo para ler, passear a nossa cadela Concha, para brincar e criar, sonhar e ter apenas os 11 anos que tem.
O desgosto da minha filha com a escola em França, também foi uma lição que eu não poderia nem deveria evitar. Tornou-a mais forte, mais empática e mais preparada.
Foi e tem sido um ano e meio de muita aprendizagem a vários níveis.
No próximo ano penso em voltar a inscrevê-la na escola, até porque a matéria a partir do 7º ano tem que ser dada de outra forma.
Acredito no ensino, na educação e sei pelo meu trabalho as consequências da falta da mesma. Sei que há vontade de melhorar, mas tem de haver abertura de espírito e maior liberdade para incluir no curriculum outras aptidões tão ao mais importantes, para quem está a estudar em casa.
O resultado a nível de avaliações só podemos conhecer no fim do ano letivo. Para já, para mim o seu esforço, a sua atitude perante aprendizagem e o conhecimento são o que mais valorizo. Os números são importantes, mas valem o que valem. E não fazem dela nem uma melhor pessoa, aluna, cidadã e futura trabalhadora.
Agora estou neste momento a educar uma cidadã do mundo. No ensino doméstico.
Utópico? Sim, deixem, já há tão pouco de utopia por estes dias que eu vou aproveitar!
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