
Sabes, sempre me disseram o que fazer, como fazer.
“Sabes, sempre me disseram o que fazer, como fazer.”
Era fim do dia e eu estava a ajudar o pequeno catita com os seus trabalhos de matemática da primeira classe. Mesmo no final dos trabalhos, apareceu o desafiante exercício 5 da página 14, enquanto o pequeno catita lutava para chegar ao resultado sozinho, eu mordia a língua para não lhe dar a resposta certa.
A cada minuto que passava, contorcia-me mais na cadeira. Era tão fácil. Tão óbvio. A solução estava mesmo ali. Só precisava dizer o resultado, e os trabalhos estavam acabados.
Uma parte de mim gritava para ter razão, para dar a resposta certa e durante 2 segundos ficar ofuscada com o holofote do “eu é que sei”. A outra parte, só queria ficar pacientemente calada, e dar-lhe tempo. Era de tempo e confiança que ele precisava para escrever, apagar, pensar, errar e tentar outra vez. Precisava de sentir que estava tudo bem, que eu confiava nas suas capacidades e que estava ali para o apoiar. Só assim seria possível aprender, descobrir e ganhar confiança em si próprio e nas suas decisões.
Sabes, sempre me disseram o que fazer, como fazer.
Instruções e mais instruções da forma “certa” de viver a Vida. A comida certa, a roupa certa, a decisão adequada. Tudo era feito com muito amor e com as melhores intensões. Oferecido para me proteger e ajudar a ser uma “boa” menina.
Mas na verdade, não ajuda nada.
Tira-nos a nossa capacidade natural de caminhar pelo nosso pé. Perante qualquer pequena decisão que temos de tomar, sentimos que temos de consultar os pais, os amigos, a ajuda telefónica e meia dúzia de pesquisas no Google.
Sentimos que a resposta está sempre fora de nós, e não dentro, o que nos tira um enorme poder e autonomia.
Simultaneamente, se não conseguimos decidir, não somos capazes de lidar com decisões erradas. Como a decisão é sempre do outro, excluímos o nosso papel em todo o processo, o que compromete muito a nossa responsabilidade pessoal.
Ficamos à deriva, à espera da opinião mais acertada, ou da pessoa mais assertiva. E às vezes a pessoa mais assertiva, não está NADA certa.
Estamos sempre danadinhos para resolver os problemas dos outros.
Para nos sentirmos úteis e importantes, necessários e admirados. A maioria das vezes, quando estamos a ouvir os problemas dos outros, disparamos mil e uma soluções milagrosas; “Tu devias…” “Se fosse eu…” “É muito simples…” Parecem ajudar, mas não ajudam. Dizem “tu não és capaz de chegar lá sozinho”. E, quando o dizemos muitas vezes, o outro lado acredita. Aí tem duas opções, ou rende-se, ou revolta-se. Nenhuma delas reforça, de todo, a qualidade da relação entre pais e filhos.
Eu sei que, tal como eu, amas o teu filho.
E também sei, que é tão difícil transformar esse amor num comportamento amoroso para com ele. Há tanto que se mete no caminho. As nossas expectativas, a nossa infância, os nossos medos e os medos que temos em relação ao seu futuro. Os outros, as suas opiniões e olhares críticos. As nossas constantes incertezas de que estamos a fazer a coisa certa, de que estamos a ser “bons” pais.
Era de tudo isto que eu me estava a aperceber, enquanto mordia a língua e travava a solução do problema de matemática. Apercebia-me de que os processos e as aprendizagens são muito mais importantes do que os resultados. E, que a minha solução pode ser certa para mim, mas não ser certa para o outro. Sou eu que lhe devo dar a possibilidade e a confiança para encontrar a “sua solução”. Sou eu que devo acreditar nele, para que ele possa acreditar também.
É impressionante como quando estamos disponíveis, podemos com um pequeno exercício da primária, aprender tanto sobre a matemática da Vida.
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