
Quantos homens são precisos para mudar uma lâmpada
Quantos homens são precisos para mudar uma lâmpada?
O trabalho deitou-me para aqui.
Jogou-me com força para longe, para um quarto estranho…Não é bem força a palavra certa…
E agora, na distância, sinto falta.
Falta do desconforto do pequeno almoço cheio de leites derramados. Dos verdadeiros, não dos metafóricos.
Sinto falta do “Óh pai, mas posso fazer uma pergunta ? Posso? Pai, posso?”.
Sinto falta dos “Pára de chatear a tua irmã! Podes parar? Não podes? Podes?“.
Somos mesmo parecidos.
Até sinto falta do “Amor, meias debaixo do sofá?“.
Nesta conforto dos canais por cabo, sinto falta do desconforto.
“Óh pai, muda! Muda…muda!“
“Amor, chama o Carlos para mudar as lâmpadas, porque se eu tiver à tua espera...”
Até tenho tempo para ler. E o que descobri? Que ninguém sabe quantos homens são precisos para mudar o papel higiénico, porque esse feito nunca aconteceu. A sério. Está num livro. Por acaso a carapuça até me serve…
Neste quarto de hotel, o silêncio está a fazer-me mal.
Lembro-me de ter saído de manhã, ter visto as roupas desarrumadas e ter dito “Continua assim, continua. Não mudes não…não mudes não…”
Estas frases/ameaça não fazem sentido neste quarto de hotel. De repente, a cama começou a ficar muito dura, quase pedra, e sinto que vou numa carroça… Tinha adormecido e era um sonho.
Acordo, levanto-me, ando por aqui por este espaço sem piada e sinto falta.
Falta de dar mais valor aos “desconfortos” da vida familiar. Talvez a nossa missão, talvez o significado, esteja neste gerir de emoções. Entre o perder a paciência e o observar o crescimento das crianças, as suas lutas, os seus pedidos, os seus porquês incessantes. E entre o ameaçar e o elogiar, dando força. Entre o criticar o companheiro ou companheira e o compreender.
Até já sinto falta do “Óh pai, ainda falta muito?!“.
Do “Amor, podes ir ao lixo?”. Do “Amor, o carro está a fazer tum,tum,tum, não está?”.
Quando voltar, organizo uma viagem de carro com todos.
Já sei qual a palavra certa. O trabalho jogou-me para aqui de forma inevitável! Era inevitável. Isto é inevitável. É trabalho.
Mas não é inevitável perder a paciência, fugir dos pequenos atritos familiares, não querer melhorar e não é inevitável ceder à natureza. Não é inevitável fugirmos do humanismo num mundo cínico.
Começarei, este fim de semana, por estar atento ao papel higiénico.
E telefono ao Carlos por causa das lâmpadas.
PS: Não é que não saiba mudar as lâmpadas, mas ele é um grande amigo e todos os pretextos para estarmos juntos, serão poucos.
imagem@depositphotos
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