
Quero, posso e amamento.
Tinha muitas dúvidas antes de te ter. Tentei não fazer grandes planos, a vida já me tinha ensinado que há momentos para tudo e este – o do teu nascimento – deveria ser recebido de braços abertos, com as expectativas onde deveriam estar, no coração.
Mas tinha dentro de mim uma vontade muito grande: amamentaria, a não ser que por qualquer motivo de saúde teu ou meu não fosse mesmo possível.
Mamaste nos primeiros minutos de vida. Não foi um momento fácil para ti, acabada de chegar ao mundo e rodeada de barulhos que há poucos segundos estavam camuflados por uma camada confortável de “água”, os teus lábios estavam dormentes do reforço das doses de epidural que eu tinha levado. Levaste o teu tempo e esse tempo foi respeitado.
Há muitas mães que passam verdadeiros tormentos na amamentação, que lutam diariamente para não desistir, que têm problemas dolorosos e, mesmo assim, continuam. Eu tive a sorte de tudo ser pacífico. O único percalço aconteceu ainda na maternidade, quando a enfermeira verificou a tua fralda e me comunicou que o teu xixi era muito concentrado e tinhas cristais na urina. Tudo o que não seja “ela está a evoluir bem, está tudo óptimo com ela” deixa o coração de uma mãe completamente em pânico. Era uma coisa normal, diziam, mas significava que não estavas a absorver a quantidade suficiente de líquidos e, por isso, teríamos de ter ajuda do suplemento.
Chorei. Achei que era o fim da nossa recente conquista. Que depois de te ser dado um biberon com leite docinho não ias querer o meu colostro para nada. Ainda tão levezinha e pequenina ensinaste-me a primeira lição – se não há alternativa, faz-se, mas assim que for possível volta-se ao normal. E assim foi. Já em casa, um dia depois de reforçarmos a tua alimentação com aqueles mini biberons que ainda hoje me fazem tremer apenas de os olhar, o teu xixi deixou de ter problemas e voltaste a ser alimentada apenas com mama.
Cresceste forte e saudável alimentada em exclusivo com o meu leite até aos quatro meses e meio (com muita pena minha não foram seis meses, mas o regresso ao trabalho complicava esse desejo) e até hoje, prestes a completar um ano, nunca bebeste outro leite, nem na creche.
Já ouvimos de tudo um pouco, não foi meu amor?
-“Mas ela já tem dentes e ainda mama?”
-“Não é mais prático fazeres um biberon e pedir ao pai para dar?”
-“Não vais dar de mamar agora, aqui na rua, pois não?”
-“Não gostas de dormir?” (esta é uma das minhas preferidas)
Ora bem, vamos por partes:
-Sim, tem dentes, seria estranho se com onze meses não tivesse e isso significa que está apta para cortar e mastigar alguns alimentos. Não deixa, apenas por isso, de precisar de beber leite, ou os bebés com dentes deixam todos de beber leite?
-Sim, era muito mais fácil dar uma cotovelada ao pai a meio da noite para preparar o biberon e dormitar mais um pouco mas parece-me pouco lógico que com o leite “feito” e pronto a usar se vá para a alternativa.
-Não vou dar de mamar agora, neste preciso momento, porque estamos a ter uma conversa e não tenho por hábito fazê-lo literalmente no meio da rua, mas faço-o com a maior das naturalidades onde for. Claro que respeitando os outros mas, acima de tudo, as tuas necessidades, filha, e a nossa privacidade – há hoje em dia espaços próprios para a amamentação em praticamente todo o lado e onde não há, improvisa-se.
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-Adoro dormir. Antes de ser mãe dizia que precisava de dormir oito horas seguidas para o meu cérebro funcionar. Oito? Que mimada que fui e que bem que aproveitei.
Agora não é assim. Sei que se te desse um biberon dormirias, muitos provavelmente, a noite toda. E isso quer dizer que aquele leite, feito para ajudar quem não pode ou não quer amamentar, é uma fórmula universal e, por isso, uma pequenina bomba.
Prefiro, já que posso, dar-te deste leite produzido exclusivamente para ti, que responde às tuas necessidades sem lhe escapar nenhuma. Mais tarde dormirei noites inteiras outra vez.
Nada se compara a esta partilha que só nós temos. É um privilégio, meu amor. E é como privilégio que sinto a tua mão a apertar a minha no escuro, a meio da noite, enquanto comes. Estás a dormir, mas sabes que estou ali. Ou quando me sorris, ainda a mamar. As conversas que temos em silêncio, na troca dos nossos longos olhares pautados por sorrisos ou línguas de fora, outras conversas mais audíveis mas que acabam por te distrair. Há noites exasperantes, não vou mentir (dentes malvados!), mas saber que basta dar-te de mamar para te acalmar e tranquilizar, é tudo o que preciso de saber. Haverá noites e dias em que a resposta não será assim tão simples e em que não dependerá de mim ajudar-te a ultrapassar certos obstáculos. Enquanto depende, estamos juntas e a minha querida.
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Olham-me muitas vezes como se tivesse três cabeças e quatro olhos, mas também há quem dê valor e elogie.
Amamento porque quero e posso. Relevo as críticas e acolho os elogios com um sorriso mas não é para eles que vivo. Vivo para ti, meu amor. E enquanto for adequado e bom para ti e para mim, continuarei a amamentar – sem criticar quem não o faz.
Porque as mulheres têm o direito de escolher. Escolha essa que, hoje em dia, espero que seja informada e consciente.
Mulheres informadas e seguras das suas escolhas serão melhores mães.
Notas: Cumpre-se nestes dias a Semana Mundial da Amamentação (Aleitamento Materno). Estabelecida desde 1992 pela World Alliance for Breastfeeding Action (WABA), a Semana Mundial de Aleitamento Materno, que conta com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), tem o objectivo de facilitar e fortalecer a mobilização social para a importância da amamentação. Comemorada entre os dias 1 a 7 de Agosto, já envolve mais de 120 países, considerando-se as iniciativas e esforços globais relacionados com o tema.
O leite materno tem benefícios únicos, fundamentais para o crescimento e desenvolvimento saudável do bebé, especialmente durante os primeiros 1000 dias de vida. A OMS recomenda o aleitamento materno em exclusivo até aos seis meses e como complemento até aos dois anos de idade.
Por Marta Coelho, para Up To Kids®
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Autora orgulhosa dos livros Não Tenhas Medo e Conta Comigo, uma parceria Up To Kids com a editora Máquina de Voar, ilustrados por aRita, e de tantas outras palavras escritas carregadas de amor!