
Quociente de inteligência Vs. Quociente emocional
Vivemos numa sociedade que muito tem evoluído em termos de taxa de alfabetização. Nos últimos 40 anos, em Portugal, a curva destes gráficos é significativamente muito positiva.
Por força de circunstâncias várias, tornámo-nos mais atentos ao desenvolvimento cognitivo e, desde muito pequenos, os miúdos são muito estimulados para o conhecimento e a aprendizagem e recebem de pais e professores a expectativa avantajada de que o caminho é esse e “não deves falhar”.
O tempo de brincadeira fica encurralado nos intervalos do conhecimento e das atividades extra-curriculares. Que é como quem diz que não há tempo para brincadeiras livres. Aquelas em que não há o adulto a dirigir o momento, em que as regras e o cumprimento delas, cabe apenas aos miúdos. Aqueles momentos em que eles trocam experiências e aprendem com isso e que, dessa forma, ficam a conhecer-se melhor; que têm oportunidade de realmente empatizar uns com os outros. Agora, não há tempo! Agora, terminam a pré-primária a saber ler…
Os adultos, os cuidadores, tendem a ficar muito orgulhosos de verem os filhos crescer e já tão dotados de tanto conhecimento; já com tão boas notas que recebem como resultado dos testes de avaliação que fazem na escola. E estes factos ganham uma dimensão tão grande que não tem termo de comparação com a dimensão social. Parecem sobrevalorizar o aspeto escolar (cognitivo) e secundarizar o aspeto social/individual (emocional). “Está bem inserido no grupo?” “Como funciona a relação com os pares?” “A integração parece adequada, mas conhece os limites e as regras do seu comportamento em relação ao outro – da sua idade e do adulto?” “Como gere as suas frustrações?” “Descarrega-as nos amigos ou consegue uma forma mais elaborada (tendo em conta a idade)?” “É sensível ao amigo ou passa-lhe por cima sem perceber o impacto que isso pode ter nele?”
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Negligenciar a importância de que as crianças se confrontem consigo e com os outros, para reconhecerem sentimentos, receios, motivações e intenções – suas e dos demais -, é progredir num caminho que nos conduz à insensibilidade, à indiferença e até ao desprezo pelos outros. É ir a trote de uma sociedade que apesar de mais instruída, mais culta e bem falante, os elementos que a compõem (pessoas) parecem ir perdendo o conhecimento básico de relacionar-se com os seus iguais.
É importante perceber se os filhos que vemos crescer conseguem desenvolver tão bem o famoso Quociente de inteligência (QI), mas sem descurar a importância do Quociente emocional (QE). Afinal de contas, de que nos serve um cérebro pejado de conhecimento, se não tiver a capacidade de reconhecer os seus sentimentos e os dos outros; se não souber interagir em grupo?
A escolarização incute erradamente a ideia de que saber pensar é saber gramática, é saber fazer contas, resolver problemas e por aí adiante. Tem o cunho de que saber pensar e fazer tudo isto bem feito é ser inteligente. Mas, na realidade, as boas notas na escola não definem a capacidade, ou não, de pensar da criança. Saber pensar vai para além da linguagem escrita que a escola ensina. Ainda que seja inteiramente útil e necessária (matéria indiscutível!), não pode encerrar por si só o capítulo do conhecimento. Não pode anular a importância do falar, dialogar e do brincar.
Os parágrafos que se seguem são exemplos de meninos que mostram aos adultos como se pensa. Como têm a capacidade de PENSAR…
O M. de 7 anos, relativamente à importância que sentia dada à nota “Muito bom” (que ele próprio também tem) perguntou à mãe se “Satisfaz” é um mau resultado. Quando a mãe disse que também é uma boa nota, ele respondeu que “os amigos que têm “Satisfaz” depois chegam ao recreio e sabem brincar, mas os que têm “Muito Bom”, não sabem”.
O G., de 7 anos, sobre um amigo que chora na sala de aula, sempre que se sente questionado pela professora, dizendo não saber a matéria: “ Ele lá dentro dele, ele sabe. Por fora, é que ele pensa que não sabe”.
Menino a quem perguntaram o que é um segredo “Um segredo é uma coisa que os adultos dizem ao ouvido uns dos outros até toda a gente saber” in Santos, João dos (1988), “Se não sabe por que é que pergunta? conversas com João Sousa Monteiro”, Assírio & Alvim
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