O meu filho tem mau-feitio ou é uma criança ansiosa?
A ansiedade nas crianças nem sempre é fácil de detetar. Os adultos não estão mentalmente predispostos a perceber os sinais de uma criança que está ansiosa, confundindo-os muitas vezes com questões educativas, imaturidade e até com Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA).
Muitos dos sintomas ansiosos conduzem, indevidamente, a classificações de PHDA já que a criança ansiosa tem dificuldade em manter-se relaxada e atenta ao que lhe dizem. A sua hipervigilância é direcionada ao exterior e às situações que sente como ameaçadoras e não ao momento presente.
Na base de uma reação ansiosa não está a oposição aos educadores, está o medo – medo de falhar, medo de não corresponder ao que esperam dela, medo de ser “gozada”, medo que não gostem dela, enquanto a criança que se sente frustrada reage pela perda.
Então, como podemos diferenciar ?
- a criança ansiosa reage por antecipação; ao contrário das crianças que têm baixa resistência à frustração, uma criança que está ansiosa pode ter uma reação de “mau-feitio” quando vai fazer algo novo, quando exposta a um novo contexto ou situação e não após o acontecimento;
- a criança ansiosa deixa de fazer coisas que adora fazer, evitando as situações que lhe provocam angústia. Outra criança consegue arriscar, mesmo que se viva o seu insucesso, posteriormente, com uma enorme birra;
- Regra geral, a criança ansiosa tem uma fraca auto-estima. Revela uma auto-percepção enviesada e diminuta das suas competências, ainda que muitas vezes mascarada por teatralidade e até uma certa arrogância;
- a criança ansiosa tem, por norma, mais dificuldade nas relações com os pares e em confiar no outro. Por vezes são classificadas como crianças desinteressadas e/ou pouco participativas nas actividades escolares. Mas a simples ideia de ter de responder a uma pergunta pode ser aterradora. Como tal evitam participar nas actividades, em particular quando não se sentem seguras (o que acontece com frequência) ou não conhecem;
- a criança ansiosa é, por norma, agitada apresentando, em casos mais graves, tiques e agitação motora involuntária. Enrolar o dedo na roupa quando “está atrapalhada”, abanar os membros quando falam com ela, ficar numa agitação exacerbada quando não sabe o que vai acontecer a seguir, são sinais de que a criança está a vivenciar um estado de ansiedade.
As vantagens em castigar ou punir de alguma forma uma criança são fortemente discutíveis.
Castigar uma criança que está ansiosa só agrava o seu sofrimento.
Por outro lado vem aumentar ainda mais a sua crença de “não faço nada de jeito, por isso nem vale a pena tentar”. Ou seja, castigar não vai resolver o problema, nem vai “servir de emenda”. O que se passa no interior da mente da criança nada tem a ver com “falta de educação”.
Se não for atempadamente detetada e tratada poderá evoluir de traços que se manifestam em determinados contextos para estados permanentes de ansiedade. Assim irá condicionar o bem-estar, as aprendizagens escolares e o desenvolvimento emocional e afetivo.
A avaliação diferencial feita por um especialista clínico é fundamental para detetar o problema. Evita-se assim diagnósticos paralelos, grande parte das vezes errados, e medicação não adequada.
É, para mim, um privilégio poder ser facilitadora dessa mudança e do conhecimento próprio.
6 comentários
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Bom dia Dr.ª Helena,
Li o seu artigo a título de curiosidade, nunca identifiquei a minha filha como tendo nenhum destes problemas.
No entanto, agora fiquei um pouco alarmada, identifico, pelo menos 3 sinais quanto à ansiedade, o que por um lado poderá explicar melhor o comportamento dela face a certas situações.
Como poderei ajudar-la a enfrentar novas situações?
Muito obrigada por ter focado este assunto!
Prezada Gisela,
agradeço o seu comentário.
Tal como referi no texto a ansiedade na criança nem sempre é fácil de diagnosticar, sendo muitas vezes confundida com outros problemas.
Então antes de fazer qualquer tipo de diagnóstico é importante analisar bem a situação. Por exemplo: por regra as crianças ansiosas apresentam uma baixa auto-estima, mas uma criança com baixa auto-estima não é, necessariamente, uma criança ansiosa. Por outro lado, uma criança ficar mais agitada ou excitada numa situação nova é perfeitamente normal. Há que ficar em alerta quando a intensidade e a frequência do desconforto é de tal forma, que condiciona o seu bem-estar.
Relativamente à filha e ressalvando que desconheço o contexto e o que se passará com ela, diria que é importante respeitar o seu ritmo. Se ela tem dificuldades em enfrentar novas situações ou experiências não deve forcá-la, mas antes encorajá-la. Se a situação lhe for muito angustiante (antecipando um desfecho desfavorável) é provável que recuse. Aceite a sua recusa e tente proporcionar actividades em que a filha se sente confiante/competente e que lhe vão aumentando a auto-estima. Não perca a oportunidade de a elogiar, passando a mensagem que ninguém faz sempre tudo bem. E quando sentir que ela está mais confiante arrisque, propondo novas actividades. Permita-se, também, falhar e tentar de novo. Perceber que os pais também erram e que isso não os impede de continuar a tentar, é uma excelente maneira de as crianças aprenderem a arriscar mais e a ter menos medo do insucesso.
Espero ter ajudado. Na dúvida e se sentir que a filha os comportamentos da filha são sintomas de um acentuado mal-estar, sugiro que consulte um técnico de psicologia para avaliar adequadamente o seu desconforto.
Helena Coelho
Boa tarde!
E quando a ansiedade do filho é diretamente herdada da excessiva ansiedade do pai???
Muito obrigado!
Prezada MC,
obrigada pela sua pertinente questão,
Alguns autores (maioritariamente americanos) identificam a genética com uma das causas possíveis para a prevalência do caracter ansioso nas famílias. Outros autores contrapõem, ao questionarem: então porquê o aumento da ansiedade em crianças que vivem em famílias geneticamente estáveis?
Independentemente das correntes de investigação, parece haver algum consenso ao considerar a ansiedade como um problema multifacetado, fortemente marcado pelo seio familiar e pelo contexto onde a criança cresce e se desenvolve.
Mas mais importante do que analisar, nesta explicação, a origem do problema será perceber como se pode contrariar a tendência, ou seja, o que se pode fazer para ajudar a criança?
A resposta é simples, mas não necessariamente fácil – equilibre com tranquilidade e compreensão.
Uma criança ansiosa precisa que lhe seja transmitida calma e confiança. Mesmo em momentos difíceis em que a criança grita, bate o pé e faz a maior “cena”, respire fundo e encontre dentro de si forças para baixar o seu tom de voz, falando pausadamente, tentando mostrar que compreende e se possível tentando abraçar e acariciar. Mesmo que a criança ache a atitude estranha e a rejeite, vá tentando, aos poucos ela vai aprendendo a acalmar.
Tente perceber qual o medo que está a impulsionar a reação ansiosa e fale com a criança sobre isso, numa linguagem que seja compreensível para a idade. Por muito pequeno que o problema lhe possa parecer a si, para a criança será assustador, como tal tente respeitar e compreender. Ajude-a a ganhar confiança nela própria, não a criticando sistematicamente nem tecendo comentários pejorativos e evitando comparações com amigos e familiares, em particular, na presença de outras pessoas.
E se possível, abrande o ritmo de vida familiar. Procure fazer a rotina diária sem pressas, de forma a não impulsionar ou potenciar situações de stress.
Por último, mas não menos importante, ajude-a a aprender a ganhar tranquilidade através da respiração. Uma respiração curta (muito comum em estados ansiosos) dificulta uma oxigenação adequada do cérebro e favorece as respostas ansiosas do corpo.
Espero ter, de alguma forma, ajudado.
Helena Coelho
Prezada MC,
obrigada pela sua pertinente questão,
Alguns autores (maioritariamente americanos) identificam a genética com uma das causas possíveis para a prevalência do caracter ansioso nas famílias. Outros autores contrapõem, ao questionarem: então porquê o aumento da ansiedade em crianças que vivem em famílias geneticamente estáveis?
Independentemente das correntes de investigação, parece haver algum consenso ao considerar a ansiedade como um problema multifacetado, fortemente marcado pelo seio familiar e pelo contexto onde a criança cresce e se desenvolve.
Mas mais importante do que analisar, nesta explicação, a origem do problema será perceber como se pode contrariar a tendência, ou seja, o que se pode fazer para ajudar a criança?
A resposta é simples, mas não necessariamente fácil – equilibre com tranquilidade e compreensão.
Uma criança ansiosa precisa que lhe seja transmitida calma e confiança. Mesmo em momentos difíceis em que a criança grita, bate o pé e faz a maior “cena”, respire fundo e encontre dentro de si forças para baixar o seu tom de voz, falando pausadamente, tentando mostrar que compreende e se possível tentando abraçar e acariciar. Mesmo que a criança ache a atitude estranha e a rejeite, vá tentando, aos poucos ela vai aprendendo a acalmar.
Tente perceber qual o medo que está a impulsionar a reação ansiosa e fale com a criança sobre isso, numa linguagem que seja compreensível para a idade. Por muito pequeno que o problema lhe possa parecer a si, para a criança será assustador, como tal tente respeitar e compreender. Ajude-a a ganhar confiança nela própria, não a criticando sistematicamente nem tecendo comentários pejorativos e evitando comparações com amigos e familiares, em particular, na presença de outras pessoas.
E se possível, abrande o ritmo de vida familiar. Procure fazer a rotina diária sem pressas, de forma a não impulsionar ou potenciar situações de stress.
Por último, mas não menos importante, ajude-a a aprender a ganhar tranquilidade através da respiração. Uma respiração curta (muito comum em estados ansiosos) dificulta uma oxigenação adequada do cérebro e favorece as respostas ansiosas do corpo.
Espero ter, de alguma forma, ajudado.
Helena Coelho