Ser filha, ser mãe
Sou filha.
Sou mãe.
Sinto-me ainda mais filha desde que a minha própria filha nasceu, logo ela que me deu o privilégio de ser mãe.
Ser filha é:
– Dizer ao meu pai que não sei como é que ele aguentou estar longe de nós tantos dias (quando os meus pais se separaram e passámos a ir aos fins de semana para casa do meu pai) e ele dizer que aproveitava bem os sábados e domingos, sem pressas, o tempo todo uns para os outros.
– Pensar na minha mãe e dois minutos depois tê-la a telefonar-me sem eu ter dito nada.
– Saber que ensaie o que ensaiar o meu pai vai sempre perceber se estou bem simplesmente pelo tom da minha voz.
– Ter, na casa da minha mãe, uma escova de dentes para quando lá vou.
– O meu pai enviar uma mensagem à noite a perguntar se está tudo bem (preocupado) porque há dois dias que não nos falamos pelo telemóvel.
– Continuar a fazer hoje, com a minha mãe, os mesmos programas que fazia quando éramos só mãe e filha – em vez de também avó e mãe.
– Sempre que me acontece alguma coisa: boa, má, assim-assim, ligar à minha mãe e ao meu pai de imediato. Sem ordem definida. Porque eles atendem sempre. Vibram com as coisas boas, emocionam-se com as vitórias, encorajam nas derrotas, querem saber de mim.
É sentir que importo para quem mais admiro no mundo.
Ser mãe é:
– Acordar várias vezes por noite quando a minha filha me chama e, mesmo assim, sorrir quando a vejo e dizer tranquilamente “está tudo bem, a mãe está aqui”.
– Ficar com o coração a bater mais depressa quando vejo a minha filha tentar algo pela primeira vez e dar-lhe espaço para que o faça sozinha.
– Ouvir o dialecto que a Mariana criou para se fazer entender e ser quem mais a percebe, às vezes só com um som.
– Saber que tenha dormido bem, mal, esteja doente, mal disposta, com febre, a arrastar-me pelo chão, terei de dar a volta e recuperar com a melhor energia possível porque há alguém que “depende” de mim.
– Dar por mim a fazer alguma coisa e a cantarolar “sapo sapo sapo, à beira do rio, quando o sapo canta é porque tem frio” em vez de uma qualquer música da rádio.
-É querer ser mais. Melhor. Errar. Aprender. Viver.
– Querer, mesmo quando é ela quem mais me exaspera, um abraço da minha filha.
Fazê-la sentir que importa, que trouxe uma felicidade imensa à nossa casa, que somos tão mais completos pelo simples facto de ela existir.
Ser mãe, ser filha. Duas metades de uma existência tão rica, complexa e importante.
Gosto tanto de ser filha.
Não trocaria ser mãe por nada no mundo.
E assim é que deve ser.
imagem@weheartit
Autora orgulhosa dos livros Não Tenhas Medo e Conta Comigo, uma parceria Up To Kids com a editora Máquina de Voar, ilustrados por aRita, e de tantas outras palavras escritas carregadas de amor!
2 comentários
O teu coração é um verdadeiro tesouro. Sou o pai mais feliz do mundo por te ter como filha.
É exactamente isso. Só sabemos o quanto os nossos pais gostam de nós depois de sermos pais. Identifiquei-me muito com o que escreveu aqui, Marta porque, embora não fosse filha de pais separados, vivi no seio de uma família com muito amor – em que havia uma ligação muito forte e muito estreita com ambos os progenitores. Hoje, na qualidade de avó, sinto que o amor que recebi o passei para os meus filhos e netos e tenho saudades de poder falar com os meus pais (que, claro, já partiram) – anunciando coisas boas ou pedindo um conselho nas situações mais sensíveis. Por isso, o meu “conselho”, se assim se pode chamar, é que desfrutemos bem da companhia dos nossos pais e mais tarde dos nossos filhos. Assim, o elo geracional será sempre perpetuado, com amor, e passando o testemunho de vida de pais para filhos e netos.