Meu amor,
Acredita quando te digo que te conheço como ninguém. Sei de cor os teus traços, o teu cheiro, as tuas reacções antes mesmo de as teres… E os teus sons, que são universais, mas tão teus, tão nossos.
Sei perfeitamente que quando oiço o som da borracha das tuas pantufas, naquele compasso acelerado, é porque o pai chegou e vais ter com ele a correr ao corredor.
Conheço o arrastar do banquinho que agora levas contigo para todo o lado e significa sarilhos: porque estás a tentar chegar às bolachas, ao fogão, à cómoda e consequentemente à minha colecção de brincos.
Adivinho que estás a brincar com as tuas bonecas no quarto ao lado sem te ver, porque oiço o restolhar das fraldas que fazes questão de ir buscar para lhas tentares colocar.
Não preciso de olhar para ti para ter a certeza que estás a dançar, pela forma como bates com o pé direito no chão, ao mesmo tempo que moves as mãozinhas no ar.
Sabias que tens um riso diferente para o pai? Consigo perceber quando te ris de uma brincadeira que ele faz ou se estás apenas a divertir-te com os teus livros e bonecos.
O bater do teu coração quando adormeces ao meu colo e te deixas levar pelo cansaço de mais um dia? É uma melodia harmoniosa com a tua respiração, primeiro regular, depois um zumbido.
Domino a forma como adormeces, mas também a forma como acordas. Sei, mesmo que ainda esteja em piloto automático na madrugada, se choras porque tens fome, se te destapaste, se estavas a sonhar e te assustaste ou se acordaste com a tua tosse insistente.
Já sei que posso esperar um “tshhh” que acompanha as festinhas que fazes, principalmente quando estas servem para pedires desculpa por algo;
O “hum” que serve para mostrar que estás à procura de alguma coisa, como se ela estivesse constantemente a esconder-se de ti aprendeste-o comigo e nunca mais te esqueceste.
Conheço as gargalhadas que dás a dormir.
Adivinho o “não, não, não” que fazes a imitar-me quando te dá a vontade de ir brincar com o carregador do telemóvel.
Sei que posso esperar soluços depois de um ataque de cócegas, porque quando ris durante muito tempo não consegues escapar-lhes.
O “ah!” de espanto que fazes quando nos deparamos com bandos de pássaros, todas as manhãs a rasgar o céu, à chegada à creche é quase ensaiado. Todos os dias os vemos, todos os dias te fascinas.
Quando finges que estás a chorar, coisa que aprimoraste com o pai, numa brincadeira só vossa, sei bem que estás impecável e que com esse choro há um olhar que sorri.
O som maravilhoso que fazes quando dás a provar um bocadinho de cenoura crua à tua boneca e imitas o que seria o seu mastigar é inigualável.
E há o silêncio. Quando estás em casa e não há barulho é sinal de que estás a fazer asneiras. Minto, muitas vezes estás concentrada a brincar sozinha, mas outras tantas essa brincadeira tem elementos proibidos, que vais buscar sabe-se lá como e onde. O silêncio a meio da noite também me acorda, como nos teus primeiros dias. Aí, o meu subconsciente acordava-me, ou não me deixava ter um sono pesado, para me certificar que estavas bem (tantas vezes significava ver se estavas a respirar.) … Hoje acordo quando durmo mais horas seguidas do que estou habituada e fico em sobressalto, preocupada por não me teres acordado.
Ainda assim, há um som que é o meu favorito.
“Mãe”.
Mesmo que repetido cerca de trezentas vezes até que me desloque até onde estás para ver por que é que me chamas tão insistentemente.
Mesmo que seja o som que me rouba dos sonhos todas as noites quando queres que vá ter contigo ao berço porque acordaste.
Mesmo que se torne um “mamã” quando te queixas de alguma coisa ou queres mimo, ou estás particularmente mais carinhosa.
– “Mãe”.
Três letras.
Eu. Tu, porque sem ti não o seria.
O melhor som do mundo.
Sem dúvida.
Autora orgulhosa dos livros Não Tenhas Medo e Conta Comigo, uma parceria Up To Kids com a editora Máquina de Voar, ilustrados por aRita, e de tantas outras palavras escritas carregadas de amor!