Sozinhos em casa. Com que idade pode deixar o seu filho?
O tema não é novidade, no entanto muitos pais e mães continuam a debater-se com a questão:
– Posso deixar os meus filhos sozinhos em casa?
– A partir de que idade é possível deixar os meus filhos sozinhos sem supervisão?
Estas dúvidas são legítimas, deixando desde já claro que não existe um acordo, entre especialistas, sobre a idade a partir da qual as crianças podem ficar em casa sozinhas. Se os pais de uma criança de 12 anos ficam confortáveis ao deixá-la sozinha por umas horas, outros com um filho de 16 anos exigem a presença de um adulto que assegure a supervisão.
Se, para alguns pais, uma criança sozinha em casa é sinónimo de negligência parental, para outros é sinónimo de autonomia e crescimento.
O que diz a lei sobre deixar os filhos sozinhos em casa?
Da lei sabe-se que, de acordo com o artigo 138.º do Código Penal,
“…quem colocar em perigo a vida de outra pessoa, por exposição a uma situação em que esteja impossibilitada de se defender por si mesma, ou que a abandone quando era seu dever guardar, vigiar ou assistir, é punido até 5 anos de prisão” (sem contar com agravação por ofensa à integridade física ou morte).
Ora, cada criança é única e irrepetível, não existem duas iguais.
O ritmo a que se desenvolvem é muito variável. Isto significa que algumas estarão aptas para desempenhar determinadas tarefas mais cedo, outras mais tarde. Ninguém conhece melhor o próprio filho ou filha do que o pai ou a mãe. Assim, cada pai e cada mãe são a melhor pessoa para avaliar os seus filhos. Se estão ou não preparados para ficar sozinhos em casa.
Este texto tem como objetivo oferecer algumas sugestões, deixando muitas questões em aberto, as quais os pais, atentos que são aos seus filhos, terão já colocado ou até respondido.
Os pontos que se seguem podem ajudá-lo a tomar uma decisão:
1 – Nunca deve deixar sozinhos recém-nascidos, bebés ou crianças em idade pré-escolar.
O número de situações que colocam a criança em risco nestas fases é incontável. Mesmo quando a ausência é de breves instantes. Nesta altura as crianças estão a dar os primeiros passos na descoberta acerca de um mundo sobre o qual pouco sabem. Precisam de um adulto que as supervisione, sempre. Têm muita dificuldade em lidar com emoções intensas como o medo de estranhos ou de serem deixados sozinhos. Por isso correm para os pais em busca de segurança. Só mais tarde desenvolvem de forma mais expressiva, capacidades como a regulação de emoções, essencial para poderem ficar sozinhos por algumas horas.
2 – Os meus filhos querem ficar sozinhos em casa ?
Assim como os adultos, as crianças também têm necessidades, motivações e preocupações próprias.
- Como se vai sentir o seu filho perante a ideia de ficar sozinho em casa?
- Entusiasmado com a responsabilidade que lhe é dada, ou assustado?
Se o seu filho não quiser ficar sozinho em casa, tal será um bom indicador de que é ainda cedo para o fazer – explore alternativas.
3 – Pense agora nas capacidades e competências do seu filho:
- Sabe trancar e destrancar a porta de casa? Consegue chegar ao visor da porta?
- Sabe usar o telefone para atender e fazer chamadas? Numa situação de emergência, sabe para que número ligar?
- E sabe o que fazer se tocarem à campainha ou baterem à porta?
- Sabe preparar o lanche ou algo para comer quando tem fome? Sabe usar os eletrodomésticos necessários para preparar os alimentos que vai consumir (micro-ondas, fogão, frigorífico, etc.)?
- Consegue estar entretido sem a supervisão de um adulto? Arranja as suas atividades e fica envolvido?
- Tem capacidades de resolução de problemas?
- Como reage perante situações inesperadas?
- O seu filho sabe quando pedir ajuda?
4 – Em relação à segurança, o meu filho (a):
- Sabe como me contactar numa emergência?
- Sabe quando e em que situações é importante ligar para os números de emergência e como?
- Existe um contacto alternativo de algum familiar ou amigo que possa contactar se não conseguir falar comigo?
- Sabe o que fazer em emergências como, por exemplo, um incêndio?
Considere deixar uma chave de casa disponível para o seu filho. Nunca o tranque sozinho em casa sem possibilidade de abrir a porta. Em caso de incêndio, por exemplo, a criança pode ficar impossibilitada de se colocar fora de perigo.
5 – O meu filho está emocionalmente preparado para ficar sozinho em casa ?
As crianças, para ficarem sozinhas sem os pais, devem conseguir autorregular as suas emoções. Se para nós é difícil, por vezes, ficar sozinho sem ninguém por perto, para o seu filho pode resultar numa carga muito elevada de stress com a qual não consegue lidar, por não ter ainda “ferramentas” que o permitam. Assim, sendo os pais quem melhor conhece os próprios filhos, podem refletir sobre estas questões: O meu filho é confiante? Fica facilmente agitado? É influenciável? Tem a capacidade de resistir à tentação e seguir regras sem supervisão?
6 – E nas situações em que deixo o meu filho ou filha mais velhos a tomar conta do mais pequeno?
Bem, para quem tem irmãos, esta é uma situação comum e muitos de nós já ficámos a cargo da nossa irmã mais velha, ou responsáveis pelo irmão mais novo. Esta situação implica, para si, ponderar acerca da relação entre irmãos e reconhecer uma responsabilidade acrescida. O irmão mais velho não só vai estar responsável por si próprio, mas também pelo irmão mais novo. As sugestões e questões anteriores aplicam-se neste caso e acrescem outras tantas, como por exemplo:
– Como é a relação entre irmãos? Estar sozinho em casa sem supervisão pode significar que, caso os irmãos discutam ou se agridam, não existem adultos presentes para gerir a situação.
7 – Regras
É importante definir regras com o seu filho relativamente ao tempo em que vai estar ausente. Por exemplo, para as crianças que chegam da escola e não encontram os pais em casa, pode ser tranquilizante ligarem aos pais a informar que chegaram.
Outra regra que deve ponderar: o seu filho pode sair de casa sem permissão?
8 – Avise quando vai regressar a casa
É importante avisar sobre a sua hora de regresso a casa, caso contrário o seu filho poderá ficar assustado, achando que lhe aconteceu algo, ou ansioso por não saber quando regressa.
9 – Tecnologias
Com a entrada das novas tecnologias no quotidiano das famílias, uma das maiores preocupações relaciona-se com os perigos de estar ligado à rede. A segurança neste mundo (diga-se antes universo) que é a internet tem sido uma preocupação crescente entre os pais. Nem sempre é fácil para estes estarem informados acerca das novas tecnologias. Nesse campo os especialistas são os mais novos. Sendo assim, como conversar com o seu filho sobre este assunto, sendo ele mais experiente? Lembre-se: Não vai conversar com o seu filho apenas sobre tecnologias e sim, acerca de temas como privacidade e segurança, assuntos sobre os quais todos os pais têm uma palavra de orientação. Deixe que estas conversas se transformem num encontro, em que ambas as partes se sentem competentes, ensinando e aprendendo.
Mantenha-se atento ao que o seu filho lhe diz sobre o que gosta de fazer no computador ou no tablet, se joga, se utiliza as redes sociais.
O que pode ser partilhado? O que não deve ser partilhado? Esta e outras questões podem ser o início de uma conversa rica para ambos sobre os benefícios e riscos da internet, especialmente quando se está sozinho em casa.
Atenção, procure obter informações úteis, não sendo intrusivo. Exigir ao seu filho que mostre as conversas com os amigos na rede social ou as mensagens no telemóvel, dificilmente será bem recebido. Fazê-lo poderá transmitir ao seu filho a mensagem de que as pessoas não têm direito a um espaço privado, digno de ser preservado.
Existem também pais que utilizam as novas tecnologias como recurso que lhes permite monitorizar a segurança dos filhos nestas situações. Por exemplo, pode considerar deixar a webcam ligada na sala ou noutro local da casa em que a criança se encontra, trocar mensagens de telemóvel ou fazer chamadas de tempos a tempos para se assegurar que os seus filhos estão bem.
Esta e outras soluções estão cada vez mais acessíveis. Pois vivemos num mundo em que é cada vez mais difícil imaginar uma vida sem tecnologia.
Se ponderou sobre estas e outras questões e o seu filho abraça esta responsabilidade, poderá então praticar com ele/ela algumas destas tarefas:
– Localizar os números importantes e praticar chamadas de emergência;
– Atender o telefone de forma segura, sem transmitir informações pessoais;
– Garantir que o seu filho não abre a porta a estranhos;
– Usar os diversos utensílios e eletrodomésticos de cozinha necessários para preparação de refeições;
– Trancar e destrancar a porta.
Estes são apenas alguns exemplos do que pode ensaiar com o seu filho de modo a que este esteja mais preparado/a para novas situações.
Se é frequente deixar um adolescente sozinho em casa por longos períodos de tempo (por exemplo uma tarde inteira), dificilmente uma criança mais nova ficará confortável, sem supervisão, durante tanto tempo. Prepare este momento em conjunto, por exemplo, vendo o filme Sozinho em Casa. Colocando de lado algumas das peripécias da criança de oito anos no filme esquecida em casa pelos pais, podemos encontrar momentos adequados para falar sobre como lidar com estranhos e com outras situações relacionadas com o tema, que vão surgindo no decorrer da longa-metragem.
A ausência de linhas orientadoras claras sobre estas situações, não deve impedir os pais e mães de refletirem sobre um assunto tão importante. Pelo contrário, este é um dos momentos em que só o pai ou a mãe, em conjunto com o filho, podem tomar uma decisão adequada.
Para um futuro de adultos que se recordam crianças “protegidas em casa”, ao invés de “esquecidas em casa”.
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Ângelo Simões é psicólogo certificado pela Ordem dos Psicólogos Portugueses e Psicólogo Europeu Registado.