Por estes dias, tenho medo da escola.
Não das escolas onde trabalho ou de com quem trabalho ou da escola onde estão as minhas filhas ou das escolas que vejo no caminho. Tenho medo do que é a escola atualmente – “escola” como palavra que representa uma instituição. Já anteriormente referi que a escola é como se fosse uma sociedade em miniatura: os nossos filhos – e não só – estão a aprender a viver nessa espécie de sociedade. Mas, tal como na verdadeira sociedade fora dos portões da escola, há regras a cumprir e valores pelos quais nos regemos. E isso é válido para todos.
O que tenho visto, ouvido e tomado conhecimento nos últimos tempos ultrapassa os limites do assustador.
Alunos agridem professores e funcionários. Pais agridem professores e funcionários. Professores perdem as estribeiras e agridem alunos. Alunos agridem alunos. Isto parece uma arena de gladiadores onde não há regras, cada um escolhe a arma que quer e desfere os golpes que quer. Vale tudo, incluindo arrancar olhos. E, contrariamente ao que fui lendo e vendo ao longo da minha vida, a caneta não é mais poderosa do que a espada. E, ainda que eu tenha a noção de que há sempre dois lados da história, este excesso de violência é isso mesmo: excessivo e violento.
Tenho medo da escola, do que anda a acontecer à escola, desde há uns anos.
Está tudo – e todos – preso por arames, no limite, a passar mais tempo no local escolar do que na própria casa, a encarar aquele espaço (que deveria ser um espaço de várias aprendizagens – não somente académicas – e de felicidade e bem-estar) como um depósito ou a prisão daquele dia, a gerir (ou não) emoções variadíssimas ao longo daquelas horas, a sobreviver a mais um ano letivo. E isto é o que vejo em alunos, em professores, em funcionários.
Tenho medo da escola.
Porque se desinvestiu nesta instituição.
Porque se valorizam mais outros serviços, outros valores, outros campos, outras regiões. E porque esta instituição universal não é universal quando sai da área geográfica das duas únicas grandes cidades do país. Porque esta instituição foi sendo desrespeitada, insultada e humilhada sem que ninguém fizesse nada. E porque nem sequer se coloca a hipótese de investimento em áreas que não as académicas – as das notas, as das pautas, as dos quadros de mérito. Porque se desresponsabilizam atores importantíssimos no processo de educação. E se fazem leis que tantas vezes não são tidas em consideração nem respeitadas (exemplo simples: ratio funcionários-alunos; lei da inclusão)
Tenho medo da escola porque a violência continua a existir.
Sem meios termos. Passámos dos abusivos anos ditatoriais em que era tudo corrido a reguadas e canas da índia e milho debaixo dos joelhos perpetrados pela figura autoritária do adulto para o domínio do pequeno ditador que, muitas vezes, nem sequer chega a ter uma dezena de anos mas já bate nos pais e consegue colocar uma turma de rastos e leva professores – e direções – a acionar mecanismos que não deveriam ser usados em criança alguma em circunstâncias típicas.
Tenho medo da escola.
Porque em pleno século XXI temos de criar gabinetes e programas de combate ao bullying.
E de combate à violência escolar. E andar sempre com medo que nos dêem cabo do carro ou que nos batam ou que um encarregado de educação nos aborde ou que um encarregado de educação picado por alguma coisa ou alguém aborde diretamente um aluno. Ou andar com medo que os nossos filhos cheguem a casa maltratados ou recebam mensagens de ódio no telemóvel. Imagine-se este medo exponenciado à enésima casa quando temos filhos com necessidades especificas. Ou quando os nossos filhos não são as vítimas mas sim os agressores. Ou quando só se parte para a culpa e não tentamos ver a causa…
Tenho medo da escola porque, por estes dias, a escola parece uma selva.
E não é suposto ser assim. Como professores, não deveríamos ter medo de ir para o nosso local de trabalho, deveríamos ver nas direções colegas apoiantes e não déspotas autoritários, deveríamos sentir prazer em preparar materiais para as nossas aulas e ensinar, não deveríamos ter uma visão negra e burocrática e, por vezes, até limitada!, do ensino. É suposto sentirmo-nos bem com o que fazemos, não sermos apenas mais um a cumprir escrupulosamente um programa horrível e longo sem alternativas, não sermos apenas mais um apenas a “dar” umas aulas… deveríamos fazer a diferença…
Passamos demasiado tempo fora do nosso lar.
Nós pais e os nossos filhos. Nos casos de crianças com necessidades específicas, o horário deles com aulas e terapias, chega a ser superior ao de um adulto. Outros, neurotípicos, têm a mesma sobrecarga mas num ATL ou em atividades extra. A culpa é de um sistema em que vivemos que tem os mesmos horários para adultos e crianças – e nem sequer vale a pena falar de quem trabalha por turnos.
Não temos avós reformados que possam ir buscar os netos à escola e estudar com eles – os avós de hoje ainda estão ao serviço; não trabalhamos ao lado da escola nem podemos levar os nossos filhos para os nossos trabalhos – logo, temos de arranjar quem fique com eles até sairmos… já deu para perceber a coisa. Não sei qual será a solução. Por aqui, optámos por algo low profile e com sacrifício profissional da minha parte para poder acompanhar as piolhas. Um dia, quando elas já não precisarem de mim, talvez eu consiga tratar da carreira, se ainda for a tempo.
Apesar do tom sombrio, eu sei que claro que há exceções!
Não devemos tomar a parte pelo todo e generalizar cegamente. Há professores que, talvez utopicamente, ainda acreditam e tentam chegar a todos. Alunos que ainda querem mesmo aprender. Há pais que se desdobram e funcionam como membros de uma equipa para um bem comum. Direções que se preocupam com todos, desde alunos a funcionários; há lugares onde ainda parece acontecer magia. Mas basta uma maçã podre para arruinar o cesto todo… E isso assusta. Não é essa a ideia que eu tenho – ou quero ter – da escola. Mas temos que voltar a cingir-nos pelos valores éticos e morais que deveriam reger comportamentos. As nossas ações – sejam elas quais forem – têm consequências. E, se eu não cumpro a lei ou respeito o outro, tenho de ser penalizada. E se vemos a escola como a tal sociedade em miniatura, por que não remarmos todos no mesmo sentido?
Lá do mundo dos unicórnios onde, às vezes, eu pareço viver, eu ainda quero acreditar que a escola – instituição e espaço – pode fazer a diferença pela positiva. E quero, eu e os meus, que nos sintamos seguros.
O esforço de manter uma vida normal em tempos difíceis, a vários níveis… Em suma, uma aventura vivida a 4.