Todos nós precisamos de coisas diferentes.

Todos nós precisamos de coisas diferentes.

Todos nós precisamos de coisas diferentes. Por exemplo, eu preciso das minhas canetas para escrever e o meu filho precisa delas para construir foguetões. De todas elas. Eu preciso do meu computador para editar as minhas crónicas e o meu filho precisa de ver documentários sobre construção de motores. Ao mesmo tempo que eu preciso de trabalhar.

Muitas vezes situações como esta podem transformar-se num dilema. Ou numa fonte de conflito.

No entanto, como adulto responsável, cabe-me a mim escolher se quero transformar este momento numa luta de poder. Ou simplesmente parar, olhar para o grande plano das coisas por um segundo – em vez de reagir imediatamente – e decidir em consciência.

Isto significa que as crianças não tenham limites?

Não. Mas significa que os limites devem ser passados de forma tranquila, com base na empatia, na conexão.

Ao dizer: Estou a escutar que gostavas de…. Mas não vai ser possível… porque | Quem me dera… | Como é podemos fazer? | Estou aqui. Vejo que estás aborrecido. Queres ajuda? estamos a escolher compreender o que a criança sente antes de estabelecer o limite. Mesmo que não possamos satisfazer a necessidade ou vontade imediata da criança, ela vai receber que somos compreensivos em relação às suas emoções e às suas vontades.

As crianças, tal como nós reagem muito melhor a uma energia de conexão. Se nos conectarmos primeiro com os sentimentos da criança, distanciando-nos das nossas próprias necessidades, conseguiremos ajudá-la a construir uma auto-imagem positiva e um verdadeiro sentido de valor.  E isso constrói-se momento após momento.

Isto quer dizer que devemos deixar as crianças fazerem tudo o que querem?

O mais possível. Sou uma defensora do sim. Mais do que do não. O sim expande. O não limita. E se queremos educar uma geração melhor, precisamos aprender a expandir com eles.

Verifico que passamos a grande maior parte do tempo a barrar. A travar. A limitar. E tenho observado que o fazemos por medo. Por um caleidoscópio de medos. Normalmente medos que residem dentro de nós e que ainda não libertámos. Ou medos relativamente ao exterior. Medo que caiam. Medo que cheguem atrasados. Medo que fiquem doentes se não comerem a sopa toda. E medos relativamente às expectativas dos outros. Da sociedade. Do mundo.

Todas as crianças precisam de sentir-se amadas. Ouvidas. Vistas. Acarinhadas. Apoiadas.

Quando nós adultos temos dificuldade em gerir, controlar as nossas próprias emoções, abrimos portas e janelas que dificilmente se voltarão a fechar facilmente. Com as palavras que usamos e com o tom que as empregamos. Confundimos facilmente firmeza com agressividade, definição de limites com hostilidade.

Nós próprios precisamos de fazer o único trabalho de casa realmente relevante: trabalhar as nossas próprias emoções. Sarar as nossas próprias feridas. Fazer um trabalho de alma profundo. Ganhar uma nova consciência. Voltar ao coração.

É certo que todos nós precisamos de coisas diferentes, no entanto todos operamos muito melhor num ambiente de apoio, aceitação e compreensão. Especialmente nos nossos momentos mais difíceis. Quando estamos à espera da resposta de um trabalho que nunca mais chega. Quando queremos sair de casa para dar uma voltinha, mas acabamos por ir para a praia com os três baldes, quatro pás, uma mochila cheia de ovos cozidos e hambúrguers em fanicos, um podengo e um basset hound completamente alucinados que mais parecem leões enjaulados quando encontram outros cães.

Todos nós precisamos de coisas diferentes.

É certo. Mas quantos de nós precisamos de sermões, opiniões, conselhos ou o ponto de vista de outros quando estamos a ter um momento menos bom? Quando estamos frustrados, ansiosos ou confusos? Quando somos tratados de uma forma que não merecemos? Quando nos sentimos injustiçados?

É certo que todos precisamos de coisas diferentes. Por exemplo, quando vivíamos em casa dos meus pais, a minha irmã precisava de ter as coisas arrumadas e eu desarrumava tudo. Não era por mal. Simplesmente não sou um ser humano organizado.

Mas todos funcionamos melhor – e nos sentimos melhor –  quando nos sentimos compreendidos, apoiados e aceites.

Por vezes somos mal interpretados por pessoas que não nos conhecem tão bem ou não conseguem compreender o nosso mundo interior. Por exemplo a minha irmã nunca compreendia porque razão arrumava o lavatório da casa de banho e dois dias depois já estava tudo completamente desarrumado. Como a compreendo agora!!!

Posso nunca ter sido um ser humano organizado, mas sempre consegui encontrar-me na minha desorganização. Quer dize, na maioria das vezes. Mas por precisarmos de coisas diferentes ou funcionarmos de formas diferentes, isso significa que estamos errados? Que merecemos menos?

Um dos maiores desafios da vida é saber respeitar os outros como eles são. Mas aprendi que isto talvez aconteça porque também não sabemos ainda bem como respeitar-nos e aceitar-nos a nós próprios, na nossa totalidade. Vivemos ainda num mundo de separação e julgamento.

Todos precisamos de coisas diferentes, mas quando estamos cansados, angustiados, frustrados, aflitos ou zangados precisamos de alguém que nos oiça. Que nos escute activamente. Sem condicionantes. Sem moralismos. Sem cobranças. Alguém que reconheça a nossa dor interior e nos dê a hipótese de falar ou desabafar da maneira que precisamos. Só isso tantas vezes ajuda a que fiquemos menos confusos, menos ansiosos e mais aptos a lidar com os nossos próprios sentimentos e resolver o nosso problema.

O processo não é diferente com as crianças. Sem tirar nem pôr. Para conseguirem aprender a encontrar soluções para lidar com os seus sentimentos, as crianças precisam do nosso apoio, a nossa aceitação e o nosso carinho. Não precisam de castigos, repreensões, lições de moral ou sermões.

É imperativo aprender a linguagem das crianças, como se voltássemos a aprender a ler e a escrever.

Estudar essa linguagem abre-nos caminhos mágicos na arte de educar. Aprender a descodificar cada momento menos bom e saber ler o que está por detrás de cada emoção, de cada explosão. De cada manifestação.

Em todos os momentos, verbal ou não verbalmente, a criança tenta comunicar. Tenho vindo a compreender cada vez mais que para conseguirmos ter uma relação saudável com os nossos filhos, precisamos aprender a compreender como funcionam. Para conseguirmos dar-lhes o que realmente precisam para crescerem de forma saudável. Aprendi que só alterando a forma como olhamos, percebemos e tratamos as crianças é possível criar novas gerações de adultos mental e emocionalmente saudáveis.

M. J. Silva é autora dos livros Rich Parent, Poor Parent – Discovering Your Purpose, da série The Rich Parent, sobre parentalidade positiva.
Jornalista, investigadora área do desenvolvimento emocional

Para além de livros sobre parentalidade, escreve também romances e livros infantis. É uma forte activista dos direitos da criança e do fim da violência contra as crianças.

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