Uma mãe livre é uma mãe mais feliz
Durante os primeiros meses de vida da Letícia, sobretudo nas primeiras semanas, vivi acorrentada.
A minha boca estava amordaçada por palavras que havia dito outrora, aprendizagens que fui fazendo, coisas que fui ouvindo, que por sua vez deram lugar a crenças enraizadas que defendi toda a vida.
As minhas mãos estavam algemadas, presas a comparações com pessoas que considerava uma referência no mundo da maternidade, às fotos cheias de sorrisos, arco-íris e purpurinas que via as outras mães postarem ainda na maternidade.
Os meus pés estavam amarrados e assentes em expectativas irreais que criei sobre o que é a maternidade, o que devemos esperar de um bebé e o que devemos esperar de nós enquanto mães. Tudo isto tornou o meu nascimento enquanto mãe num parto difícil, uma tarefa árdua e penosa.
Sentia-me a ser puxada em diferentes direcções. As minhas crenças, baseadas em teorias que fui ouvindo ao longo do tempo, puxavam-me para um lado, o meu instinto enquanto mãe, algo completamente novo para mim, puxava-me para o outro. Ali andava eu a ser sacudida. Sentia-me frustrada por ter vontade de contrariar aquilo em que sempre acreditei. Ttambém sentia medo de seguir o meu instinto e eventualmente prejudicar a minha filha.
Curiosamente, procurei preparar-me ao máximo para a chegada da minha filha.
Fui a workshops, a encontros de grávidas, a conferências, fiz pesquisas na internet, li livros. Mas nenhuma destas fontes me transmitiu o que era verdadeiramente fundamental para conseguir enfrentar os primeiros tempos – partir livre, de coração aberto, sem nada esperar de mim e do meu bebé, sem nada defender afincadamente (não partas com certezas), apenas pronta para abraçar a experiência e ir agindo (e reagindo) consoante o que parecer melhor na altura, sabendo que o que hoje é um fracasso, amanhã poderá ser um sucesso e vice-versa (dá o teu melhor, nada mais).
Não digas que tens a certeza que não queres/queres amamentar. Que tens a certeza que o bebé irá/não irá dormir no berço. Não digas que jamais o irás embalar – diz antes que logo se vê.
Ao partirmos para a experiência da maternidade presas a convicções não-fundamentadas – como podemos defender veemente algo que nunca vivemos nem colocámos em prática? – e a expectativas fantasiosas, quase como se fossemos programadas, estamos susceptíveis a enfrentar um choque entre a realidade e o que esperávamos que essa realidade fosse.
De repente, uma fase de vida que imaginámos ser maravilhosa torna-se um verdadeiro pesadelo, recheado de frustrações:
- “porque é que ele não mama sem adormecer?”;
- “não o posso deixar dormir ao colo!”;
- “se o deixar mamar sempre que quer vai ficar mal habituado!”;
- ” ele ainda é demasiado pequeno para sair de casa!”.
Perdemos imenso tempo a relembrarmo-nos do que sempre nos disseram.
Do que é suposto ser o funcionamento normal de um bebé, tentamos que ele se adapte àquilo em que sempre acreditámos (imaginem alguém a tentar encaixar uma forma quadrada num buraco triangular, é isto).
Não, o nosso bebé não veio de uma fábrica, não existe um manual universal dos bebés, ele não tem de se adaptar forçosamente a nós e ao meio. Cabe-nos sim percorrer o caminho da adaptação de mãos dadas, guiando-o sem nunca esquecer as suas necessidades e especificidades.
Não consigo identificar o dia em que quebrei as correntes. Que me tornei numa mãe livre.
Sei que demorou algum tempo. Quando o fiz, tudo se tornou tão mais simples. Dei por mim a sorrir de novo. A sentir-me capaz de ser mãe. A sentir que a minha filha era e ia continuar a ser feliz. Peguei nos pressupostos, no “by the book“, nas crenças, nos bitaites, nas expectativas tolas, embrulhei-os e atirei-os janela fora (ai, como soube bem!).
Lavei-me de todos os restos que poderiam ter ficado “agarrados” e decidi partir do 0, ver a minha filha como um ser único e especial, cujo funcionamento se distingue de todos os outros, apesar dos pontos comuns.
Percebi que não existem dicas infalíveis, nem mães perfeitas, nem bebés protótipo. Parei de ouvir os outros e passei a ouvir-nos – a mim, ao pai e a ela. Hoje sou uma mãe livre. Hoje vivemos livres. Claro que lidamos com opiniões diferentes, ouvimos um bitaite aqui outro acolá, mas a liberdade é isto, dizerem-nos o que fazer e podermos escolher não fazê-lo – haverá liberdade maior do que esta?
A entrada no mundo da maternidade rapidamente se revelou menos “purpurino-brilhante” do que havia imaginado. Poderei ser uma mãe que se sente completa, com disponibilidade para a sua prol, se não cuidar de mim enquanto mulher? Poderei ser uma mulher feliz se não me sentir uma mãe livre?