Vamos esclarecer: colo não provoca crianças mimadas!
Sim, começamos já desta forma o artigo e repito-o até à exaustão: colo não provoca crianças mimadas, o que quer que isso seja!
Esta é uma guerra que me é particularmente próxima, como acredito que aos restantes colegas psicomotricistas. É regular existir esta crença, sobretudo entre familiares. Dar colo a uma criança, sobretudo a um bebé, provocará um efeito negativo no seu desenvolvimento, transformando-as nas temidas “crianças mimadas”.
Primeiro que tudo, o que acredito que seja essencial compreendermos é o que é isto de uma criança mimada.
O mimo em si é muitas vezes associado a carinho e a manifestações afetivas.
Neste caso, a não ser que estas mesmas sejam desadequadas ao contexto e à proximidade criança-adulto, não estou a ver em que medida manifestar corporalmente carinho ou afeto podem ser traduzidas em algo nefasto para o desenvolvimento. E geralmente não são apelidadas de crianças mimadas as crianças que gostam de dar festas ou abraços.
Aliás, esta denominação está mais ligada a crianças que fazem birras ou que demostram dificuldades na gestão de frustração, tendo comportamentos mais parecidos com a dificuldade na partilha de brinquedos, na espera pela vez ou perante contrariedades. O que acontece é que neste caso não estamos a falar de mimo, estamos a falar de definição de limites.
Pois sim, leram bem, o que nós geralmente definimos como criança mimada é antes uma criança que não tem a capacidade de definir quais os limites adequados para o seu comportamento, e como tal, tem comportamentos que são social e emocionalmente desajustados nos seus contextos.
Vamos por partes, ok? Colo não provoca crianças mimadas!
As crianças, sobretudo as mais pequenas ou bebés, ainda não dominam a capacidade de se expressar verbalmente ou de encontrar soluções alternativas para as adversidades que vivem. Este déficit das crianças está na realidade relacionado com a sua falta de vivência e de experiências. As experiencias permitam procurar estas novas soluções ou de estruturar o seu discurso de forma a ser capazes de explicar o porquê de se sentirem incomodadas, e de por outro lado escutar o outro e perceber o porquê das suas vontades não serem cumpridas.
Assim, as crianças pequenas ou bebés, diante de uma necessidade que julgam requerer resposta, mas não a encontram, utilizarão seu meio de comunicação primordial: o corpo. Neste caso a resposta do corpo vai ser de desagrado ou de desconforto. Manifestam-no por choro, maior tensão tónica e, em casos mais extremos, um descontrolo corporal pautado pelo choro, gritos ou movimentos mais bruscos.
No caso dos bebés mesmo pequenos, esta é a sua única forma de comunicação eficaz com o outro.
Assim, se quando um bebé chora não tem uma resposta também corporal por um adulto, está-lhe a ser passada uma mensagem de insegurança. Existe uma necessidade que não está a ser resolvida. A sua forma de a exprimir não está a apresentar resultados, sendo que o bebé ainda não é capaz de pensar ou arranjar uma forma de comunicação alternativa.
Por outro lado, nos bebés mais pequenos a sua modulação tónica e corporal é feita frequentemente pela mediação do tónus do adulto, no que chamamos de diálogo tónico-emocional. Ou seja, a criança sente-se sozinha e insegura e o seu estado tónico aumenta para estados de maior tensão. De seguida é pegada ao colo pelo adulto, com um tónus de segurança e adequado, permitindo que o tónus do bebé se adequa por imitação.
Por isso, quando um bebé está a chorar e não lhe tocamos porque não pode ficar mimado, estamos na realidade a reforçar junto do bebé a insegurança que lhe está a provocar o choro.
Obviamente que à medida que o bebé vai crescendo vai aprendendo outras formas de comunicação. Por exemplo, a verbal, e claro que vai também vivendo outras situações de maior experimentação do mundo que o rodeia. Por vezes, as vontades e necessidades que as crianças passam a ter não podem ser respondidas. Se uma criança quiser saltar de uma varanda, é claro que o adulto presente não o vai permitir, provocando uma situação de contrariedade. Neste caso, a criança, como ainda é pequena, pode também expressar a sua frustração de forma corporal com as tão temidas birras. Se neste caso a devemos deixar saltar? Claro que não. Aqui sim é importante a definição de limites.
Vamos então esclarecer
Os limites existem. Devem ser estabelecidos e deve ser claros, ou seja, não devem mudar consoante o dia. Pelo contrário, devem ser explicados à criança e reforçados nas ocasiões em que a criança os tente testar.
Se a criança entrar em birra é porque está no fundo a não conseguir gerir a frustração provocada e por outro lado a testar uma resposta que possa levar a sua vontade em frente.
As formas de ação nestes casos são imensamente variadas e o seu próprio sucesso depende tanto do adulto como da criança em questão. Muitas vezes o que digo aos pais é que é importante reconhecer a emoção e o estado corporal da criança. No entanto, devem ser firmes nos limites, até porque se eles existem é por um motivo. Assim, após compreender a frustração da criança, importa repetir a regra e o porquê dela existir. Desta forma a criança conseguirá racionalizar a sua frustração e compreender a situação de forma a generalizar para as vezes seguintes.
É toda uma relação psicomotora. A cognição da criança, a sua comunicação e as suas emoções têm um peso enorme em como o seu corpo reage e compreender esta relação possibilita respostas mais adequadas do adulto. Claro que são situações muito complexas em que a solução de fora nos parece sempre mais simples do que quando temos que tomar uma decisão. Mas com tempo e paciência tanto o adulto será capaz de prever e antecipar estas situações, como a criança também aprenderá a lidar com a frustração e encontrará formas mais eficazes de comunicar.
Da necessidade de comunicar com os pais, educadores e restantes intervenientes nasceu a plataforma Terapeuta Ana Fonseca que não é nada mais do que uma forma de comunicação sobre a temática mais fascinante do mundo: as crianças.