
viver com calma
Viver sem pressa. Ser mãe sem pressa.
O dia em que deixei de dizer despachem-se
Cada vez mais, as pessoas vivem constantemente apressadas. Desde que acordas até que te deitas é um desenrolar que rotinas e tarefas que só te apetece despachar tudo para poderes descansar.
Sentes que estás sempre a cumprir uma tarefa da lista, a olhar para um ecrã ou a saltar de compromisso em compromisso. Independentemente da forma como distribuis o teu tempo e do número de obrigações que realizas em multi-tasking, nunca há tempo suficiente para nada.
Isto foi a história da minha vida durante dois anos. O meu cérebro e consequentemente as minhas acções foram controlados por notificações electrónicas, toques de telemóvel e uma agenda superlotada. O militar que há em mim queria que conseguisse ter um grau de eficácia de 200% e cumprisse todas as actividades em agenda, mas nunca consegui estar à altura.
Sempre que os meus filhos faziam algo que me desviasse da minha agenda principal, eu pensava: “Não temos tempo para isto.”
Tenho 4 filhos que, como todas as crianças, não têm a noção de urgência. Podemos estar atrasadíssimos para qualquer coisa e um pede para parar para comer um bolo no café, outro quer ir ao parque brincar, pára numa montra para ver capas de telemóveis!
Quando temos de sair de casa, primeiro que consiga reunir os 4 à porta com tudo o que é necessário (mais o que cada um quer levar quer seja um brinquedo ou uma lancheira cheia de cuecas, como já aconteceu) é um verdadeiro desafio (aka caos).
Quando estou atrasada para qualquer coisa, mesmo que seja, para uma festa de anos de amigos deles (pensas que estás a favor da maré, mas não!), parece que está tudo contra nós. Até perdem tempo a pôr o cinto do carro à bola de futebol em vez de o porem a si próprios.
Se vamos a um fast-food comer qualquer coisa rápida para nos despacharmos, querem trocar o boneco 10 vezes, comer um gelado, e ficam a falar com amigos que acabaram de conhecer.
Os meus filhos, crianças felizes sem quaisquer preocupações, foram a maior chamada de atenção para o meu estilo de vida.
Eu tinha uma visão da vida em forma de túnel, como os cavalos que andam com palas nos olhos. O meu dia-a-dia era um cumprir de compromissos e obrigações, sem parar para pensar ou respirar. Qualquer coisa que não me permitisse fazer um check na minha lista de tarefas era, simplesmente, uma perda de tempo.
Sempre que os meus filhos me faziam perder o foco da minha agenda principal, eu pensava: “Não temos tempo para isto.”
Consequentemente, a palavra que mais lhes dizia era: “Despachem-se”.
Começava o dia a dizer:
Despachem-se, estamos atrasados!
Despachem-se e vistam os casacos!
e terminava a dizer:
Despachem-se, lavem os dentes e, xixi cama!
Ainda que o reforço “despachem-se” pouco ou nada fizesse para aumentar a velocidade dos meus filhos, eu passava a vida a gritar, “DESPACHEM-SE”. Na verdade repetia mais estas palavras do que lhes dizia o quanto gosto deles. Daqui até à lua, dizem antes de dormir, sempre à espera de mais mimo e mais amor.
Despachem-se!
A verdade é difícil de reconhecer e de aceitar, mas ajuda-nos a crescer e aproximou-me da mãe que EU quero ser.
Até que em um dia fatídico, as coisas mudaram. Eu tinha ido buscar os meus filhos ao colégio e estávamos a sair do carro. Um dos meus filhos disse para o mais novo na altura (o 3º agora): “És muito lento! Estás a atrasar tudo”
Cruzou os baços e suspirou com ar de enfado. Neste momento eu revi-me ali. Foi uma sensação horrível. EU ERA ASSIM!
Eu era a bullyer que empurrava, pressionava e apressava 3 crianças (na altura), que simplesmente não estavam (ainda) minimamente formatadas para a obrigação de cumprir horários.
Foi um abre olhos; eu vi com clareza o dano que a minha forma de viver estava a causar aos meus filhos.
Com a voz trémula, olhei para o meu filho mais novo e disse: “Desculpa querido por te apressar constantemente. Eu adoro-te tal como és, leva o teu tempo e quem me dera ser mais como tu!”.
Os outros olharam para mim com um ar surpreso com a minha dolorosa confissão, mas a cara do mais novo sustentava o inequívoco brilho da aceitação e do reconhecimento.
“A mãe promete ser mais paciente a partir de hoje”, disse-lhe enquanto abraçava o meu filho caçulo. Ele estava radiante diante da promessa recém-descoberta de sua mãe.
Foi facílimo banir o “Despachem-se” do meu vocabulário.
O que não foi nada fácil foi adquirir a paciência para esperar pelos meus filhos. Para nos ajudar a lidar com o tempo que o mais novo precisa para realizar as suas tarefas, comecei a acorda-los mais cedo, a ir busca-los mais cedo e a dar-lhes os tempos que precisavam para que não andássemos todos a toque de caixa. Mesmo assim, a maior parte das vezes ainda nos atrasamos mas, pelo menos, os meus filhos não estão sujeitos a pressões constantes.
Agora, quando vamos a algum lado, deixo que o mais novo, o 4º filho, defina o ritmo. Quando pára para ver qualquer coisa (descoberta), eu simplesmente fico a estudar as expressões que faz, muitas delas que EU nunca tinha visto com olhos de ver. Adoro ver como consegue fazer tantas coisas e é tão habilidoso, apesar da idade, e do tamanho mínimo das suas mãos. Percebi que as pessoas lhe respondem quando ele pára para conversar. Raparei que todos os dias ele descobre novos insectos ou flores na rua. Ele é um miúdo observador e isso é uma qualidade a preservar. Devemos estimular essa vontade dando-lhe o tempo que precisa.
Desde este episódio, que aconteceu há cerca de 3 anos, comecei simultâneamente a minha jornada de me soltar de distrações diárias e agarrar-me ao que importa na vida. E viver sem pressa, num ritmo mais calmo obriga a um esforço extraordinário. Os meus filhos são o lembrete vivo do porque é que tomei esta opção de vida.
E de facto, há dias, o meu filho accionou o lembrete: tínhamos ido ao parque e no fim paramos para comer um gelado. Os irmãos já tinham terminado o deles e de repente ficou a olhar para mim e perguntou: “Tenho de me despachar, não é mãe?”
Deu-me vontade de chorar. Se calhar as cicatrizes de uma vida stressada nunca desaparecem completamente.
Enquanto ele olhava para mim à espera de resposta, eu percebi que tinha duas opções. Ou continuava ali sentada melancolicamente a pensar na quantidade de vezes que o apressei até hoje, ou… eu podia celebrar o facto de que hoje estou a tentar fazer as coisas de outra maneira.
Eu escolhi viver o hoje.
“Não. Come o gelado com calma. Temos tempo”. O sorriso foi imediato, enquanto os ombros desciam de alivio.
Ficamos ali sentados a falar sobre coisas que, por vezes, o tempo é curto para partilharmos.
Decidi que nunca mais quero dizer: “Não temos tempo para isto”.
Pode ter sido tarde, mas percebi que esta frase basicamente assume que não temos tempo para viver.
Adaptação do artigo publicado em handsfreemama
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