
Eu estive a ver-te no instagram
Repitam comigo: “no meu tempo não era assim”. E notem que não era mesmo. Do que falo? Bom, de ter alunos em sala de aula, com nove anos, a perguntarem-me se tenho instagram. E a olhar para a minha camisola, com um passarinho azul (o Larry) e a dizer: “tens uma camisola com twiter”. Vai-se a ver e os pais deles seguem a minha página no facebook e estão agora, do lado de lá do écran, a ler este texto.
No meu tempo não era assim. As redes sociais estão aí, fazem parte da nossa vida, miúdos e graúdos e todos nós devemos utilizá-las de forma segura e com moderação. Há professores e educadores que o fazem de forma inteligente e divertida, potenciando as boas práticas em sala de aula.
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Eu tenho por hábito fotografar sempre o quadro da sala onde trabalho. Confesso que preciso muito do quadro, durante as aulas ou as oficinas de filosofia. Quando não tenho esse recurso, uso folhas para tomar notas e registar, de certa forma, o fluxo do nosso pensamento. E sabem como é: no final da aula há sempre alguém que pede para apagar o quadro. Nos primeiros tempos eu tinha que pedir encarecidamente para nunca apagarem o quadro sem que eu tirasse a fotografia. Agora são eles que perguntam “já tiraste a fotografia para eu apagar o quadro?”. O meu telefone está sempre comigo em sala de aula, no bolso das calças, em cima da mesa, ao pé do quadro. Os alunos sabem que fotografo os trabalhos do pensar – no quadro ou nos seus cadernos. Às vezes pedem-me para tirar selfies. E perguntam-me se tenho jogos, no momento em que há tempo livre. Falam com muita naturalidade do facebook . Discutem os modelos dos smartphones com um conhecimento e propriedade tais que nesse momento eu sinto que sou a aluna.
Para esta nova geração o mundo tem tudo aquilo com o qual eu me habituei a crescer – e écrans, de tamanhos diferentes, com possibilidades de trabalho, de brincadeira que nós nem imaginamos.
Os alunos de hoje estão a ser preparados para profissões que talvez nem existam. Falo por experiência própria: quando tinha 9 anos não tinha sequer a noção de que poderia ser professora de filosofia para crianças ou community manager (outra das minhas ocupações profissionais).
Preocupa-me sempre a utilização que possa ser feita deste mundo à distância de um click, de um sign in, de um like, retweet ou share. E essa preocupação relaciona-se com a ilusão de proximidade que possa criar – nos miúdos e também nos graúdos. Numa conversa que tive com a escritora Alice Vieira – e que ficou registada na Revista Gerador #7 – falamos sobre “as maquinetas a que [as crianças] têm acesso” e da sensação que temos de que os vidros é que as estão a educar.
Há dias fui almoçar com um amigo num restaurante. Olhei à minha volta e o cenário era o seguinte: numa mesa, dois adultos e uma criança a comer. Os adultos conversavam e a criança olhava para uns desenhos animados, num tablet poisado de forma hipnótica à sua frente (a verdade é que a criança não conseguia não olhar para ali). Outra mesa: Dois adultos e duas crianças, sem dispositivos móveis em cima da mesa, a conversar e a almoçar, tranquilamente. E ainda uma criança e dois adultos: estes teclavam nos seus telemóveis (estariam a fazer like na fotografia que o outro publicou do almoço que estava mesmo à sua frente?) e a criança olhava para cada um deles e puxava a camisola, a chamar a atenção. E isto são coisas que me obrigam a parar para pensar, sem rotular uns ou outros de maus ou bons pais. No meu tempo eu levava livros para os restaurantes, para me entreter. Nessa altura não havia tablets ou smartphones. O resultado é que hoje vos escrevo num escritório de trabalho onde há sete armários com livros de cima a baixo. E a verdade é que, no tablet, também se podem ler livros. AH! E também podemos partilhar os livros que estamos a ler nas redes sociais – e quem sabe se isso não é o início de uma bela conversa com a pequena Clara, que “esteve a ver-me no instagram” durante as férias da páscoa?