
O silêncio de uma casa sem filhos
O silêncio de uma casa sem filhos
Mariana,
Foste hoje para a escola depois de um mês em que estivemos juntas praticamente vinte e quatro sobre vinte e quatro horas por dia.
Primeiro as férias no Algarve, depois o regresso a casa e a procura de uma escola substituta para aquela com a qual não nos identificámos e que não queríamos que frequentasses.
Hoje, depois de te deixar na escola, regressei a casa e encontrei silêncio. Não sabia que me ia aperceber dele, mas habituei-me aos nossos barulhos.
Encontrei uma casa sem filhos.
À televisão sintonizada nos desenhos animados (só ao pequeno-almoço, depois disso só está ligada para ouvirmos música), às tuas conversas com os bonecos, aos ruídos que fazias quando deixavas cair uma caixa, quando pousavas mal a bicicleta, quando rias a ouvir uma história, a tua atenção e perguntas pertinentes quando fazíamos atividades-a-fingir-que-estamos-na-escola, ou simplesmente quando subias para a cadeira para me ajudar a cortar os legumes para a sopa.
Não estou habituada a este silêncio e fez-me confusão.
Sem ti há pouca vida cá em casa, é como se a música estivesse no pause à espera que regressasses para podermos saltar para o sofá e dançar.
Foram dias cansativos, para as duas. Foram dias atípicos, mas uma mãe habitua-se a ter os filhos debaixo da asa.
Hoje está a sobrar-me tempo para o trabalho e estou a demorar três vezes mais a fazê-lo.
E depois, é este silêncio. Esta casa sem filhos.
Já liguei a música, abri a janela para deixar os barulhos da rua entrarem, para me esquecer que posso estar aqui sem me preocupar com a hora da sesta ou com um almoço que complemente o jantar.
É bom estarmos de volta aos nossos devidos lugares e sei que vamos entrar nessa rotina bem depressa (já entrámos, de manhã estava já tudo oleado para tomarmos o nosso pequeno-almoço sentadas, com calma para depois sairmos sem pressas), mas sinto falta do movimento, da correria, de estares a perguntar “e depois, o que vamos fazer?”, que é agora a pergunta de eleição.
Sei que vou almoçar. E depois? Vou continuar a trabalhar. E depois? Paro para comer mais qualquer coisa. E depois? Depois trabalho mais um pouco até serem horas de te ir abraçar.
E aí a música, mesmo que em forma de barulhos que não se complementam harmoniosamente, vai voltar.
E dançarei contigo.
Em cima do sofá, no chão, no jardim, no elevador.
Até que a música seja silêncio outra vez e eu anseie por ela.
Seremos parceiras de dança, mesmo que a música passe a ser apenas um murmúrio: nunca te deixarei esquecer que até sem música somos capazes de dançar.
Para sempre, meu amor.
imagem@weheartit
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Autora orgulhosa dos livros Não Tenhas Medo e Conta Comigo, uma parceria Up To Kids com a editora Máquina de Voar, ilustrados por aRita, e de tantas outras palavras escritas carregadas de amor!